sexta-feira, 30 de abril de 2010

A “LISTA SUJA” DOS POLÍTICOS

Estou impressionado com a Associação dos Magistrados do Brasil. A entidade propõe a institucionalização da chamada lista suja, que serviria para barrar candidaturas de quem responde a processos criminais, ou com implicações penais, na Justiça, mesmo sem condenação trânsita. Sustentando este projeto, a AMB – sob o ponto de vista da obviedade - está violentando a Constituição. Me impressiona o apoio justamente porque os juízes sabem dessa violação constitucional.

Seja como for, este simulacro de SPC penal, supostamente seguindo a lógica do interesse público, deveria alcançar outros personagens, além dos políticos. Que tal ministros, secretários, banqueiros, proprietários dos meios de comunicação, empresários... juízes? Todos são, afinal de contas, ligados a atividades nas quais o poder público é diretamente interessado.

Penso que a direção da AMB - vez mais - entremostra o seu perfil repressivo-voluntarista, adquirido na academia e reproduzido de modo acrítico e irrefletido, coisa incompatível com aquilo que podemos chamar de "contraditório social", princípio tão arduamente logrado pelos humanos.
A posição dos magistrados, à primeira vista, parece uma descabida pretensão à condição de corregedores morais da sociedade, o que por si já seria teratológico. Penso, todavia, que se trata de mais um daqueles movimentos periféricos (nem tão periférico assim...) - consciente ou não - visando desconstituir a política como fator de mediação. Daqui a pouco vão surgir vozes exigindo concurso público para o parlamento ou para o executivo, buscando enquadrar em definitivo a ideologia na técnica. É o sonho inconfessável do mercado.

Nem mesmo a direita, adesista de primeira ora a teses esdrúxulas como essa, está se dando conta que uma vez suprimida a mediação política como fator de estabilidade do estado burguês, as possibilidades de subvertê-lo acabam se oferecendo por uma via que pode lhe escapar do controle. Por perceber isso, é que Tarso Genro (a direita inteligente e civilizada), renegando "peremptoriamente" a sua origem marxista, apelou no sentido de que "é preciso proteger o PT". Claro, é o Partido dos Trabalhadores quem pode deter os movimentos sociais. É ele, em última análise, o fiador do sistema.

O fato é que o establishment não se contenta mais em contar com a política, que ainda imprime ao Estado um traço, mesmo insignificante, de ação social e muitas vezes cria empecilho à sanha empresarial de transferência da renda pública aos balancetes privados. A quer fora de cena em definitivo, afastando a intervenção pública para que o rentismo não perca tempo nem dinheiro com questões sociais. E, obviamente, fique voltado com exclusividade ao mercado e às relações – digamos – não tão republicanas, nas quais, por exemplo, o BNDES se encarrega de financiar a iniciativa privada.
A tentativa de "limpar" as eleições vem subjacente à noção de Estado mínimo, tão caro ao liberalismo. É mais uma investida da classe dominante para desqualificar o âmbito político, no qual - mesmo que minimamente - as pessoas ainda podem ser confrontadas com a barbárie da organização social que integram.

A atitude da Associação dos Magistrados, além de tudo, equivale a um estupro à Constituição Federal. Perpetrado justamente por quem a deveria colocar acima de qualquer coisa. Inclusive de maiorias eventuais e alienadas.

A “ficha limpa”, de resto, não antecipa a certeza da interdição de atos de corrupção. Os escândalos que atualmente cercam o DETRAN, supostamente foram protagonizados por agentes públicos que, por certo, ostentavam um “prontuário” ilibado!

Fabrício Bittencourt Nunes
Advogado
Psol Dom Pedrito

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Os espertalhões e o Patrimônio Público.


Tem certas coisas nas quais a gente tem dificuldade em acreditar. Por exemplo, este Projeto de Lei que vincula ou subordina a reestruturação da FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo) à alienação ou permuta do terreno de 73,5 hectares na Av. Padre Cacique.

É um negócio de maluco, ou de gente que não tem a menor noção do valor de um bem público.

Só para deixar claro. Como se diz costumeiramente, “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. A proposta de descentralização da FASE é uma proposta muito importante e estamos todos, que eu saiba, a favor da mesma. Só que o custo de 09 unidades descentralizadas para a FASE deve ficar, numa estimativa para cima, em cerca de 01 milhão cada uma. O que resulta em 09 milhões. Será que o governo do “déficit zero”, não tem míseros 09 milhões para melhorar as condições de atendimento aos menores infratores? Acho que sim!

Bem, aí os malandros do governo, que se acham muito espertos, misturam em um mesmo Projeto de Lei, a reestruturação da FASE, com a venda de uma ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, que é um bem público, que não poderia sequer ter cogitada a sua venda, pelo valor de R$ 79 milhões.

O cidadão que está de fora, olha o Projeto de Lei e pensa: “é, não tem jeito, para melhorar o atendimento aos menores, tem que vender o terreno da Padre Cacique”. O que, na verdade, é uma grande empulhação. É um contrabando vergonhoso, uma venda casada de má fé. São dois processos totalmente independentes. Um atende a melhoria da vida de algumas centenas de menores. Ótimo, parabéns ao governo! O outro é uma negociata com o objetivo de, mais uma vez, entregar, de mão beijada, para os especuladores imobiliários, uma área com mais de uma dezena de nascentes, flora, fauna e mata próprios, prédios históricos e mais de 1.500 famílias residentes.

Assim não dá. O governo tem a obrigação de respeitar o Patrimônio Público, conforme determina a lei. Na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, estamos propondo que o governo do Estado encaminhe dois projetos em separado. Um sobre a reestruturação da FASE, com o detalhamento técnico necessário, e outro sobre a “venda” da Área de Preservação Permanente, caso ele insista nesse despropósito.

Que se faça uma consulta à população para que ela diga o que pensa a esse respeito. Sem urgência e sem açodamento.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista
Vereador Suplente de Porto Alegre.
abril de 2010

domingo, 18 de abril de 2010

Artigo enviado à Seção de Artigo do Jornal ZH em 04/04/2010

O governo Lula e o crack.

Sete anos e três meses depois de empossado, o Presidente Lula, de acordo com matéria de capa da edição de sábado de Zero Hora, resolveu cobrar um mutirão dos seus ministros para enfrentar o que se convencionou chamar de epidemia do crack.

Não sei qual o grau de credibilidade que a ZH empresta ao Presidente Lula. Eu, particularmente, não empresto nenhuma e tenho uma convicção formada a esse respeito: creio que o Presidente Lula, seu governo, não estão e nunca estiveram seriamente preocupados com o uso disseminado do crack, ou de outras drogas potencialmente nocivas aos cidadãos. E explico por que: caso estivessem realmente preocupados, teriam definido políticas públicas para o enfrentamento desse problema, lá no início do seu primeiro mandato, ou, sendo generoso, no início do segundo.
O governo Lula sabe, e nós sabemos que o uso de drogas, aí incluído o crack, necessita de um terreno propício para sua disseminação. E no que se assenta esse terreno? Basicamente, numa sociedade onde as desigualdades sociais por absurdas, se impõem, absolutas, sobre todas as demais relações que permeiam essa mesma sociedade. Onde impera a impunidade e todas as relações sociais são vistas sob a ótica dos “negócios”. Onde as taxas de desemprego ou de subemprego, são preocupantemente mais elevadas entre os jovens e onde, de acordo com a última PNAD apenas 25% dos jovens das classes C, D, e E, freqüentam o nível médio de ensino. Onde a violência se sobrepõe ao sentimento de vida em comum, e onde, de acordo com a OMS, existem 38 milhões de pessoas em situação de risco alimentar e 12 milhões de famílias, ou seja, 60 milhões de pessoas vivendo de políticas compensatórias.
A lista dos problemas é interminável e pode haver divergências a respeito do grau de relevância ou sobre em que proporção esses fenômenos sociais são determinantes na disseminação das drogas. O que não se pode é ignorá-los. E é isso o que o governo Lula tem feito, sistematicamente, salvo algumas medidas mitigantes. Declarações midiáticas em ano eleitoral e criação de grupos interministeriais em final de governo não anulam e nem reduzem a gravidade dessa situação.

No âmbito das medidas restritas ao desvendamento do problema, um bom começo poderia ser a realização imediata de um amplo estudo epidemiológico, traçando o perfil dos usuários de droga no país, com ênfase no crack. Sugestão que, aliás, já encaminhamos a Secretaria de Saúde do Estado, sem sucesso, até esse momento.
Lucio Barcelos
Médico Sanitarista
abril de 2010.

terça-feira, 13 de abril de 2010

SUS: um direito sonegado.

Dia 07 de abril, comemora-se o Dia Mundial da Saúde. Nós podemos nos orgulhar de ter uma das legislações mais avançadas do mundo na área da saúde. O direito universal de acesso à saúde no Brasil só se compara ao de alguns países avançados da Europa.

O Brasil tem, no momento em que estou escrevendo esse artigo, de acordo com o IBGE, uma população estimada de 192.723.516 habitantes, distribuídos em 5.564 municípios.

Pois bem, o SUS é formado por 140.000 Unidades Ambulatoriais, o que dá uma média de uma unidade para cada 1.300 habitantes. Elas produzem 1.200.000.000 (um bilhão e duzentos milhões) procedimentos básicos, o que representa uma média de 06 procedimentos por habitante/ano, um procedimento a cada dois meses.

São em torno de 8.000 Unidades Hospitalares, com 498.000 leitos, responsáveis por 975.000 internações/mês, perfazendo um total aproximado de 12 milhões de internações/ano. O que significa que aproximadamente 6% da população é internada pelo SUS a cada ano.

A esses números devemos agregar os procedimentos da alta complexidade/alto custo, começando pela tele-medicina, em expansão, até chegarmos às áreas de pesquisa em medicina nuclear, genética médica e demais áreas de ponta.

Infelizmente, esses números não bastam para descrever a realidade inteira do SUS. Esses avanços, inegáveis, convivem com um quotidiano de iniqüidades, já nossas conhecidas de muito tempo: as filas abomináveis, nas madrugadas, em frente aos postos de saúde; a falta crônica de medicamentos de uso continuado; a superlotação escandalosa das emergências; a espera vergonhosa de meses ou anos por um leito hospitalar ou por um exame complementar; a precarização (terceirização) acelerada das relações de trabalho, que fazem do concurso público uma exceção e não a regra, culminando com os baixos salários pagos aos funcionários públicos. Para a população pobre usuária do SUS (que é a imensa maioria, mesmo que o governo tente, sistematicamente, maquiar as suas estatística) essa situação fala mais alto do que qualquer número citado.

Não existe nada que justifique a permanência desta “realidade” desalentadora e vergonhosa do SUS. O governo tem os meios técnicos e os recursos financeiros para transformá-la. Basta decidir que saúde é uma prioridade. E cumprir o que está escrito na Constituição Federal. A saúde é um direito fundamental da população e o Estado é o único responsável pela sua execução, de preferência, sem intermediários subsidiados.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista – Consultor do Ministério da Saúde

Abril de 2010.