sábado, 29 de janeiro de 2011

Manobras diversionistas.
Ao reduzir décadas de crise no sistema de saúde, ao suposto não cumprimento da carga horária pelos médicos, o prefeito Fortunati presta um desserviço à população de Porto Alegre e do RS.
O prefeito sabe, melhor do que qualquer um de nós, que os problemas existentes no sistema de saúde transcendem completamente essa questão particular.

A superlotação das emergências, as filas nos postos de saúde; a demora de meses ou de anos para garantir uma internação hospitalar ou uma consulta especializada; a deterioração dos prédios; a deficiência de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico; o déficit de profissionais; os baixos salários e as condições precárias de trabalho, enfim, o abandono, o desfinanciamento e o desmonte dos serviços de saúde em Porto Alegre e nos demais municípios do RS, por certo, não são de responsabilidade dos profissionais médicos contratados pelo município. Esse quadro calamitoso é o resultado de uma política deliberada de desqualificar os serviços estatais em favor dos serviços privados, fortemente subsidiados pelo Estado. É isto que está em questão, e não o cumprimento ou descumprimento da carga horária pelos médicos. Jogar a população contra os médicos, não vai ajudar a construir o Sistema Único de Saúde. Caso uma parcela deles não cumpra contrato de trabalho, existem medidas administrativas para corrigir este fato.

“Demonizar” os médicos, fazendo vista grossa para a complexidade dos problemas reais, é uma fórmula fácil e rasteira de tentar resolver a questão. Primeiro você nocauteia os serviços públicos, abandonando-o à sua própria sorte e, na seqüência, apresenta uma fundação de direito privado, como a solução para um problema que você mesmo criou.

Aos olhos da população, e parece que é isso que os “gestores públicos” pretendem, os funcionários públicos (estatutários), não trabalham., assim como o Estado não funciona, é moroso, pesado e corrupto.

Nós defendemos a primazia dos serviços estatais na área da saúde operados por um Estado voltado para satisfazer os interesses da maioria da população. O setor privado entra residualmente e com suas próprias pernas, sem subsídios públicos. Hoje, somados subsídios diretos e indiretos, o setor privado deve receber um valor equivalente à metade dos parcos recursos que o setor público disponibiliza para financiar a saúde.

O mínimo que se quer é que o debate seja franco e honesto, com todas as variáveis colocadas na mesa. Só assim poderemos cogitar de construir um sistema de saúde público digno e de qualidade.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Janeiro de 2011.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

18 de janeiro de 2011 - Seção Artigos ZH

Ladeira abaixo, por Lucio Barcelos*

Com a mesma periodicidade que se repetem as tragédias, catástrofes e devastações, proporcionalmente de maior responsabilidade dos homens do que da natureza, repetem-se os apelos à necessidade urgente de os governantes debruçarem-se sobre aspectos relacionados ao planejamento, à qualificação da gestão e à tomada de medidas de prevenção.

Porém, constata-se que nada acontece. As catástrofes continuam, em escala cada vez mais ampliada, e as medidas de planejamento e qualificação da gestão, que, supõe-se, resolveriam os problemas, não se materializam. Creio que é hora de a sociedade se perguntar se o centro dos problemas está em um melhor planejamento e melhor gestão ou se os problemas estão localizados em outra esfera. Caso me perguntassem, eu responderia que os problemas estão situados em outra área.

Não se trata apenas de ações, medidas ou propostas de planejamento ou de melhorar a gestão dos governos atuais. Antes de qualquer coisa, trata-se de opções políticas tomadas pelo Estado. Essas opções determinam para quem se planeja e se faz gestão. O Estado brasileiro, pelo que se vê, faz muito tempo que planeja para atender os interesses particulares de grupos empresariais, financeiros e corporativos. Nesta equação, os interesses da imensa maioria da população não estão em questão.

Resulta no que resultou e vem resultando há muitas décadas. Tragédias sobre tragédias, sem uma solução aparente e sem definição de responsabilidades. Morrem mais de 500 cidadãos, cidades são devastadas, milhares perdem todos os seus bens e todos vão para os meios de comunicação para manifestar seu pesar pelos acontecimentos e o quanto da responsabilidade cabe à natureza ou a imprevidência dos “outros”. Nunca de si mesmo.

A imprensa divulgou dados da ONG Contas Abertas que mostram que foram utilizados apenas 39% dos recursos federais disponíveis no Programa de Prevenção e Preparação para Desastres, estimados em R$ 425 milhões. A alocação desses recursos mostra que havia o entendimento de que era necessário “prevenir” e “planejar” antecipadamente, destinando recursos para os municípios onde a catástrofe se mostrou mais dramática.

Deve, portanto, haver explicações de outra natureza para o não uso desses recursos. Suponho que o Contas Abertas, assim como outras entidades que defendem os interesses da maioria da sociedade, ingresse com algum tipo de representação junto ao Ministério Público Federal, cobrando o não uso, que se revelou criminoso, desse montante de recursos.

*Médico sanitarista