terça-feira, 29 de março de 2011

A exceção como regra!
Lenta e silenciosamente, o sistema público de atendimento à saúde vai sendo esvaziado do pouco que resta de suas forças.

Não se trata de um fenômeno recente, e já tratamos dele mais de uma vez. Tendo em vista sua gravidade, suas repercussões no cotidiano das pessoas, e do avançado grau de destruição desse sistema, não parece demais voltar, mais uma vez, ao assunto. E voltar ao assunto, implica, necessariamente, voltar a debater as origens desse fenômeno. É voz corrente entre os especialistas da área da saúde, e a imprensa repercute esse fato com frequência, a tese de que a raiz do problema está localizada na “má gestão e no financiamento insuficiente” do mesmo. Creio que essa seja uma explicação correta, porém insuficiente para explicar todo o problema. Por razões que desconheço, a grande maioria dos especialistas recusa-se a debater aquilo que está, de fato, na raiz da questão. Refiro-me à natureza do Sistema Único de Saúde, originalmente previsto para funcionar como um sistema público. Nesse caso, entenda-se público como sinônimo de estatal. Pois bem, 23 anos depois, apesar do grande crescimento da atenção primária (ainda longe, porém, do que seria necessário), e dos milhões de procedimentos financiados pelo SUS, estamos cada vez mais distantes de um sistema estatal de saúde.

Na vida real, o sistema público que subsiste (não mais do que 30% do total), está completamente abandonado e subordinado aos interesses dos setores privados da saúde. Um exemplo de sistema efetivamente público e totalmente desvalorizado, e que reflete o SUS como um todo, é o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. O HPS, instituição exemplar na área de urgência/emergência, funciona, hoje, com 17 médicos traumato/ortopedistas, enquanto seriam necessários 38 profissionais para um bom funcionamento do hospital! O hospital, portanto, está trabalhando, em sua área de excelência, com menos da metade dos profissionais que necessita. Como foi possível chegar a esse ponto? Muitos vão argumentar que esse é um problema localizado. Eu tenho a convicção de que esse é o retrato fiel do sistema: o público sucateado em benefício do privado.

Sequer dá para falar em voltar às origens, porque historicamente o SUS nunca chegou a ser majoritariamente público/estatal. Agora, é possível e necessário reivindicar que o Estado cumpra, pela primeira vez na história, o que ficou determinado na Constituição de 1988, revertendo a situação atual e impondo, gradativamente, a preponderância do setor público sobre o setor privado.


Lucio Barcelos –Médico Sanitarista

Março de 2011.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Esquizofrenia e demissões na Saúde:

As últimas semanas foram pródigas em declarações de altas autoridades governamentais a respeito dos gastos públicos do Brasil com a saúde. De acordo com essas autoridades, o Ministro da Saúde inclusive, o Brasil aplica irrisórios 370 dólares per capita/ano em seu sistema de saúde. Os países desenvolvidos, de acordo com essas mesmas autoridades, aplicam, pelo menos, dez vezes mais recursos que o Brasil. Conforme essas mesmas fontes, no Brasil, as famílias gastam mais do que o setor público para garantir seu acesso à saúde. Certamente, comprando planos de saúde ou pagando seus custos de forma direta.

Entre perplexo e assombrado, fiquei me perguntando: quem é esse “Brasil” que aplica apenas 370 dólares per capita em saúde, tão corretamente denunciado pelas autoridades governamentais? Deve ser, suponho, um ente abstrato, ingovernável. Porque o Brasil real, é governado há mais de oito anos pelo mesmo consórcio de partidos do qual fazem parte, pasmem, as “autoridades” denunciantes.

Então, vivemos numa situação de esquizofrenia absoluta. Os representantes dos partidos que governam o país há oito anos, com direito há mais quatro, que são os responsáveis pelo fato de o Brasil aplicar somente 370 dólares per capita em saúde, e que tiveram e têm todas as condições de melhorar esse escandalosamente baixo percentual, se dão ao desplante de vir a público e dizer, alto e bom som: “o Brasil aplica essa ninharia em saúde”. E aí, o governo vai fazer o que, mesmo a esse respeito? Não investiram praticamente nada em saúde nos dois mandatos do governo Lula, não será em mais quatro que investirão.

E o pior é que são as mesmas autoridades que “denunciam” que nos últimos anos, houve, no Rio Grande do Sul, uma redução de mais de 30% dos leitos hospitalares. E nada fizeram para alterar esse quadro calamitoso. São as mesmas autoridades que, por absoluta falta de vontade política, acabam de permitir a demissão de 479 trabalhadores da saúde. Que é o maior crime perpetrado contra uma categoria de trabalhadores que já presenciei. E são as mesmas que não conseguem resolver a vergonhosa superlotação dos serviços de emergência dos hospitais. E que não têm competência mínima para reduzir o tempo de espera para a realização de um simples exame complementar ou uma internação eletiva.

É um sistema que, ao contrário do que seria de esperar, caso houvesse políticas adequadas, apresenta-se em processo de desagregação, de involução. Não vejo no curto prazo, uma saída positiva para essa situação. Espero estar profundamente equivocado, e que surja algo que contradiga minhas impressões.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Março de 2011.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Por uma decisão política!

Faz alguns dias que tento entender a lógica que orienta a posição dos deputados estaduais do Partido dos Trabalhadores e do governo do Estado, a respeito dos trabalhadores contratados pela Fundação Riograndense Universitária de Gastroenterologia – FUGAST. A posição que eles expressam, até onde a vista alcança, é a de que a responsabilidade pela forma irregular, ou mesmo ilegal, dos contratos é, basicamente, desses trabalhadores. O que, saindo da cabeça de um militante de um partido de esquerda, beira ao absurdo. É uma inversão completa de responsabilidades. O governo do Estado e o gestor da Secretaria da Saúde do Estado, naquele período, é que são os reais responsáveis por essa anomalia.
Esses trabalhadores, alguns com 15, outros com 20 ou mais anos de serviços prestados ao sistema de saúde do Estado e do Município de Porto Alegre buscam, como qualquer outro trabalhador, um emprego. Se público ou privado, vai depender da oferta do mercado, no momento. E os trabalhadores fazem isso (buscam emprego), porque necessitam vender sua força de trabalho para sobreviver. Não está ao seu alcance e muito menos em suas mãos determinar a forma de contrato que se lhes é oferecida. O que lhe importa é o emprego, o salário e a possibilidade de, assim, garantir uma vida minimamente digna. A utilização de um instrumento convenial com uma fundação privada, pelo gestor da saúde de então, cabe, única e exclusivamente àquele gestor. É da responsabilidade dele, e de mais ninguém. Não é possível, 20 anos depois, penalizar os quase 500 trabalhadores por um contrato/convênio, que, anos depois, foi denunciado no Ministério Público como irregular. Os trabalhadores estão, desde sempre, prestando serviço para o Estado do Rio Grande do Sul, em serviços que fazem parte das secretarias estadual e municipal de saúde.
O problema que se apresenta, hoje, é um problema que requer, ou necessita de uma alternativa estritamente “política”, que respeite os anos de serviços prestados pelos trabalhadores ao Estado. Do ponto de vista jurídico/legal, aparentemente, não restam alternativas. O Supremo Tribunal Federal foi taxativo. Os trabalhadores devem voltar à origem até 08 de março. O que significa demissão. O que deve ficar claro é que o Governo do Estado, caso tenha disposição política para tanto, buscará e encontrará alguma alternativa para manter esses trabalhadores em suas funções, prestando os serviços que prestam, com dignidade, há mais de 20 anos.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Fevereiro de 2011.