domingo, 19 de fevereiro de 2012

19 de fevereiro de 2012 ARTIGOS - ZH

O governo Dilma faz mal à saúde, por Lucio Barcelos*


Primeiro, foi o veto da presidente Dilma aos 10% das receitas tributárias brutas da União para a saúde, quando da votação da Emenda 29. Agora, na previsão de um corte de R$ 55 bilhões do orçamento da União, o ministério mais atingido, por inacreditável que possa parecer, é o da saúde. Ele perde um pouco mais de R$ 5 bilhões. O orçamento previsto para o setor, que antes do corte era de R$ 77,580 bilhões, já era absolutamente insuficiente. Agora, então, nem falar. Ademais, fica difícil quantificar qual o orçamento realmente necessário para estruturar um sistema de saúde que atenda às necessidades da população, uma vez que o sistema em funcionamento está subordinado aos interesses privados e o acesso à saúde fica determinado pelo poder aquisitivo dos cidadãos.

Assim, pode-se dizer qualquer coisa do governo Dilma, menos que ele tenha como uma de suas políticas priorizar a saúde da população. É difícil entender um governo que se postula de “esquerda” praticar cortes orçamentários que prejudiquem uma população que já vive em más condições de vida. E fazer isso com o objetivo de preservar e reservar dinheiro para priorizar o pagamento dos juros da dívida, para grandes especuladores (bancos, fundos de pensão, grupos de investimento etc.).

A situação de desmonte, ou caos como querem alguns, do sistema é a mesma do norte ao sul do país. É mais ou menos grave, dependendo, em grande parte, do potencial econômico dos municípios. O quadro, que já denunciamos inúmeras vezes, resume-se ao seguinte: insuficiência de trabalhadores, trabalhadores mal pagos e com capacitação insuficiente, áreas físicas dos serviços deterioradas, ausência de equipamentos básicos ou existência de equipamentos de baixa qualidade, o mesmo repete-se em relação aos medicamentos e demais insumos. Isso, dentro de um sistema prioritariamente privado, do qual o governo compra serviços.

Para a população, os problemas, também já fartamente conhecidos, referem-se à espera angustiante por uma consulta médica, por um exame complementar, por uma internação ou por conseguir acesso aos medicamentos necessários. São meses, quando não anos de espera.

A perspectiva de melhorar esse quadro, reduzir os tempos de espera, organizar e estruturar um sistema voltado para satisfazer, de fato, as necessidades da população, considerando as atuais medidas restritivas do governo, ficam relegadas a um plano praticamente inatingível.

Alguém deveria, urgentemente, explicar para a presidente e seus ministros, que a tão propalada melhora do nível de vida de uma parte significativa da população (a chamada “nova classe média” – sobre a existência da qual tenho sérias dúvidas), não chegou nem próximo da área da saúde.

Resta-nos esperar que a população prejudicada, que é composta pela sua imensa maioria, reaja à altura e questione, através de amplos movimentos reivindicatórios, a garantia de seus direitos constitucionais.

*Médico sanitarista

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Governo Dilma: cuidado com as generalizações.
A fama de durona da Presidente Dilma, que corre solta pelos meios de comunicação, necessita, me parece, de algum tipo de qualificação. Assim como está posto, faz parecer que a distribuição do “estilo durona” vale para todos, indistintamente. O que, se olharmos com cuidado, veremos, está longe de ser verdade.

Aos fatos:

Primeiro, e creio que o mais importante: o orçamento da união para 2012, sancionado pela Presidente Dilma, é de R$ 2 trilhões, 150 bilhões e 458 milhões. Deste fantástico valor, 47,19%, ou seja, quase a metade do que for arrecadado, será utilizado para pagamento dos juros da dívida pública (interna e externa). Assim, os credores, via de regra, grandes especuladores, dos títulos do governo brasileiro, que paga os maiores juros do mundo, receberão um valor estimado em 1 trilhão, 14 bilhões e 737 milhões de reais.

Segundo: para a área da saúde pública, que continua aos pedaços, está previsto o irrisório percentual de 3,98% do orçamento, o que representa o valor de R$ 86 bilhões, 18 milhões e 354 mil reais. Não muda nada em relação a 2011. Provavelmente as coisas fiquem pior em 2012 (os dados são da Auditoria Cidadã da Dívida).

A Presidente Dilma, que em sua campanha eleitoral prometeu priorizar a saúde, acaba de derrotar a população que esperava a aprovação dos 10% das receitas tributárias brutas da união para o setor da saúde. Desta forma, não estaremos equivocados se afirmarmos que as famílias continuarão a gastar mais com saúde do que o governo. E que o quadro dramático de espera por consultas, leitos e exames complementares ficará como está, ou vai piorar. E que óbitos evitáveis continuarão a ocorrer, como se inevitáveis fossem.

Terceiro: neste mesmo orçamento, não existe nenhuma previsão de reajuste salarial para os funcionários públicos federais e para os aposentados. E não estou falando, por óbvio, dos salários dos funcionários do Congresso Nacional.. Falo dos do executivo, que salvo a leva dos 23 mil cargos comissionados, recebem salários aviltantes.

Quarto: na contramão do que seria esperado, no ano de 2011 cresceram em 8% os gastos públicos realizados sem licitação, atingindo o valor de R$ 13,8 bilhões.

Quinto: na área política, a dureza também é seletiva. O que vale para alguns ministros, não vale para outros. Que o digam o ministro e “consultor” Fernando Pimentel e Fernando Bezerra Coelho, da Integração Nacional, que foram poupados da degola ministerial. Quais os critérios utilizados pela Presidente para poupá-los? Uma sólida amizade de longa data e blindagem ativada pelos interesses da base aliada? Quem sabe?

Sexto: porque não avança o projeto de taxação das grandes fortunas, que está rodopiando há anos no Congresso Nacional e nunca é aprovado?
São considerações que, do meu ponto de vista, contribuem para minimizar uma visão infantilizada e abstrata de uma governante que, ao fim e ao cabo, governa, como todos os outros governantes anteriores, para os grandes e poderosos.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Fevereiro de 2012