sexta-feira, 23 de março de 2012

Porto Alegre: A saúde em números

Tenho insistido na tese de que o problema central da crescente desassistência na área da saúde, que afeta a ampla maioria da população, não se deve ao chamado desfinanciamento e/ou a má gestão do sistema. Esses dois fenômenos, se podemos chamá-los assim, são resultantes de uma política deliberada de privatização do modelo de saúde atualmente existente. São conseqüências de uma política determinada e não sua causa. O processo acelerado de privatização da saúde, exige que o setor público apareça, aos olhos do grande público, como um sistema falido, com trabalhadores mal remunerados e pouco capacitados, com deficiência ou ausência de equipamentos de boa qualidade, com falta ou insuficiência de medicamentos de uso continuado, e com espera de meses ou anos para conseguir uma consulta ou um exame especializados ou, ainda, uma internação em área médica especializada.


Os números da estrutura do sistema de saúde de Porto Alegre, que apresentamos a seguir, falam por si mesmos:


Existem, em nossa capital, 2.464 estabelecimentos de saúde. Deste total, 204 (8,28%) são públicos (municipais, estaduais ou federais) e 2.234 (92,72 %) são privados (filantrópicos ou não filantrópicos).


Em relação a alguns tipos de equipamentos selecionados temos o seguinte:


Em Porto Alegre, temos 56 mamógrafos em uso e 18 (32,10%) deles estão disponíveis para o SUS; existem 190 aparelhos de ultrassom em uso. Desses 190, apenas 44 (23,15%) estão disponíveis para o SUS; são 403 aparelhos de Raio X em uso, e 97 (24,10%) estão disponíveis para o SUS; são 22 aparelhos de Ressonância Magnética em uso e apenas 10 (45,45%) disponíveis para o SUS; da mesma forma, são 39 Tomografias computadorizadas em uso e 16 ( 41%) disponíveis para o SUS. Por fim, existem 886 Equipos Odontológicos Completos em uso e a ridícula quantia de 89 (10,05%) a disposição do SUS.



O total de leitos hospitalares, somados os de internação e os complementares (leitos de UTI) é de 8.621. Os leitos públicos são 3.621. Deste total 3.313 são para atendimentos SUS. Os leitos privados totalizam 5.002. Destes, 2.560 estão disponíveis para o SUS. Assim, temos 5.873 leitos disponíveis para o SUS. Considerando o parâmetro da Organização Mundial da Saúde, de 2,5 leitos por 1.000 habitantes, os leitos existentes em Porto Alegre seriam suficientes, se fossem utilizados somente pela população do município. No entanto, mais de 40% das internações que ocorrem na capital, são de paciente oriundo de municípios do interior do Estado ou da região metropolitana de Porto Alegre. Dessa forma, os leitos existentes, atendem uma população que se poderia estimar em 3,5 a 4 milhões de habitantes, o que torna insuficiente o número de leitos disponíveis. Os dados apresentados são de dezembro de 2009, pelo DATASUS.


Considerando que a produção de medicamentos, insumos e equipamentos para a área da saúde em Porto Alegre e no RS é cem por cento privada, e que não existe nenhuma sinalização de que algo vá mudar no próximo período, a não ser que ocorra uma grande e imprevisível mobilização popular, ficamos, por ora, com um setor público cuja razão maior de existir é beneficiar o setor privado, e fazer de conta que gerencia um setor falimentar.


Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Março de 2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

IDSUS: uma montagem pseudo-científica.


Não bastassem os graves, crônicos e aparentemente insuperáveis problemas de modelo, acesso, qualidade e gestão do Sistema Único de Saúde, acabamos de receber do governo federal um Índice de Desempenho do SUS, que, não só não ajuda os gestores, como prejudica municípios que, historicamente tem investido na construção do SUS.


O governo do Estado do RS, antes de gastar o dinheiro da população com propaganda enganosa, de página inteira, deveria consultar sua área técnica (seus epidemiologistas), para saber o quanto vale um índice construído com indicadores completamente independentes, que não tem relação entre si e que, do ponto de vista epidemiológico, não tem qualquer valor.

De acordo com o Dr. José Noronha, diretor do CEBES (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde) e médico do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz) “parte da tecnocracia do Ministério da Saúde acaba de brindar a sociedade brasileira com um disparate metodológico a título de atender a fome do chamado “ranqueamento” que freqüenta com avidez uma parte da grande mídia brasileira”. O IDSUS, presta na verdade um desserviço ao SUS e aos bons gestores. Ainda, de acordo com Noronha, “A proposta central é de que a saúde é multidimensional e deve ser avaliada matricialmente e não somando variáveis de dimensões diferentes (como faz o IDSUS) para chegar a um índice único. O IDSUS soma mortalidade infantil com acesso, com taxa de cesarianas, freqüência de consultas pré-natais com cobertura nominal de PSF e mais outros tantos para chegar ao tal indicador Único e classificar estados e municípios”. Deu no que deu. O RS e Porto Alegre, terceiro e quarto colocados, na classificação do IDSUS, possuem sistemas de saúde, abaixo da crítica. O governador do Estado e seu Secretário da Saúde, deveriam visitar as filas de pacientes, na madrugada, ou ficar 4,5, até uma semana, sentados em cadeiras desconfortáveis, nas emergências do Clínicas ou do Conceição, para depois gastar o dinheiro do distinto público, com publicidade questionável. Que, na verdade, não engana ninguém que use o sistema. Melhor ainda, o governador deveria ir a uma unidade básica e solicitar a um clínico, um exame especializado ou uma internação em um hospital público ou conveniado. Ele teria uma noção do tempo interminável e ofensivo de espera para conseguir um ou outro daqueles procedimentos. Sem falar que ele teria que passar pelo inferno que são as famosas “duplas portas”, dos hospitais, com a honrosa exceção do Grupo Conceição.

É importante salientar que o IDSUS, entre outras coisas, não mede o tempo de espera nas filas e tampouco a distancia que os pacientes percorrem para ter acesso aos serviços. Mais ainda, a composição do tal indicador único, para reforçar sua inutilidade, não leva em consideração o fato de que uma parcela da população (25%) utiliza planos privados de saúde. E que nos estados do sul e do sudeste, essa proporção da população deve ser maior.

Fica a sugestão ao governo do Estado, para que ele encomende uma pesquisa, ouvindo diretamente a população que utiliza o Sistema Único de Saúde, para saber sua opinião sobre o acesso e a qualidade dos serviços que lhe são ofertados.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Março de 2012