sábado, 23 de fevereiro de 2013

23 de fevereiro de 2013 - ARTIGOS - ZH

Um retrocesso nos direitos humanos, por Lucio Barcelos*

É revoltante e, ao mesmo tempo, quase inacreditável, o uso de força policial para “internar” e levar ao “tratamento” os usuários de droga, como vimos pelos meios de comunicação (TV, em particular). Esta é uma política que já nasce morta, considerando a experiência de quem trabalha nesta área.
De acordo com a secretária adjunta do Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), “o discurso que circula sobre epidemia do crack não está de acordo com a realidade. Há no imaginário popular a ideia equivocada de que o Brasil está tomado pelo crack, mas o que existe é o uso em pontos específicos, que pode ser combatido com atendimento na rua, não com abordagem higienista, com o mero recolhimento dos usuários”.
Dados do Obid – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – revelam que 12% dos paulistanos são dependentes de álcool e apenas 0,05% usa crack.
Dessa forma, dissemina-se a ideia da “epidemia” do crack para justificar a necessidade de uma resposta emergencial para resolver o problema, o que referenda a internação compulsória.
Dessa forma, mantêm-se e firma-se uma política que pretende resolver o problema dos usuários, mas que na realidade veio para resolver o problema da incompetência e da ausência absoluta de vontade política de implantar um verdadeiro sistema de saúde público conforme preconiza a reforma psiquiátrica nesta área.
Para as “autoridades”, o que importa é a Copa do Mundo em 2014.
O que deveria ser feito é a construção de um sistema de saúde eficaz, através da implantação das estruturas substitutivas preconizadas pela reforma psiquiátrica – os centros de apoio psicossocial, de diversos tipos (crianças e adolescente, álcool e drogas, e outros). E a contratação de um amplo conjunto de profissionais de diversas categorias – médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros – para abordar, de uma forma humana e sem ferir os direitos dos cidadãos, e tratar os usuários de droga.
O mais estranho é que pouco se fala dos traficantes de droga. Não estou me referindo às operações policiais que prendem, quase que diariamente, traficantes de terceira linha, isto é, aqueles que vendem no varejo e estão a quilômetros de distância dos verdadeiros e poderosos traficantes de droga.
Caso o governador do Rio de Janeiro tivesse o mínimo de bom senso, e não fosse o mandante dessas operações vergonhosas, ele demitiria as autoridades que desencadearam as operações em questão. Ou, então, o que seria melhor, o povo deveria demitir o governador do Rio de Janeiro.

*Médico sanitarista

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Texto publicado no Blog do Juremir Machado, em 02 de fevereiro de 2013.

Chegamos ao fundo poço com Renan Calheiros?

Chegamos ao fundo do poço!
É inacreditável, mas os profissionais da política, acabam de eleger o Senador Renan Calheiros, presidente do Senado da República.
De costas para a nação, e agarrados aos seus interesses de grupo e corporativos, elegem um senador que renunciou ao seu mandato para escapar de ser cassado pelos seus pares. Na ocasião, o senador foi acusado de ter despesas pessoais custeadas por uma empreiteira. Aliás, uma grande novidade em se tratando de profissionais da política.
Como se não bastasse, na semana passada, a Procuradoria Geral da República ofereceu denuncia ao STF sobre suspeita de que Renan teria apresentado notas frias para justificar sua renda e afastar as acusações de que teria sido custeado pela empreiteira.
Com esse arremedo de cidadão presidindo o Senado e com a Câmara dos Deputados Federais em situação semelhante, onde o que é prioritário são as alianças que envolvem interesses de grupo, corrupção e, em última instância, os interesses da população, estamos (a maioria da população) com uma representação que, de fato, não nos representa.
A “democracia” formal em que vivemos, de democracia tem quase nada. O fosso que os políticos profissionais criaram em relação à população que supostamente representam, é um sintoma claro disso. As desigualdades sociais obscenas, a violência urbana crescente e sem controle das “instituições públicas responsáveis”, a concentração indecente de terras urbanas e rurais, em mãos de meia dúzia de latifundiários, a enorme dificuldade de acesso aos serviços públicos elementares, como saúde, educação, habitação e saneamento, fazem de nossa sociedade aquilo que o professor de economia política da PUC de São Paulo, Vito Letizia, nosso amigo, chamou de “monarquia eletiva”, que governa com o apoio de uma corporação de políticos profissionais periodicamente eleitos para representar o povo, mas que representam antes de tudo interesses corporativos próprios e de grupos capitalistas junto ao estado burguês.
A dissociação entre a população e os “poderes públicos” é uma marca registrada das sociedades atuais. O Estado, que deveria representar essa população, defende, antes de qualquer outra coisa, os interesses de grupos privados, nacionais ou internacionais. Uma vez satisfeitos os interesses desses grupos, as sobras ficam para a população.
As tragédias se multiplicam, algumas por negligência, outras propositadamente. O importante para os detentores do poder é que seus lucros não sejam afetados. O resto que se dane.

Lucio Barcelos – médico sanitarista
Fevereiro de 2013.