sábado, 23 de janeiro de 2010

Publicado na Edição do dia 23 de janeiro de 2010 do jornal Zero Hora - Seção ARTIGOS

Definição de responsabilidades, por Lucio Barcelos *

A Zero Hora de 19 de janeiro apresentou uma matéria intitulada “Superlotação no Conceição revolta médicos”.

O problema da superlotação do serviço de emergência do Grupo Conceição não é propriamente uma novidade. A novidade, neste caso, é o “excesso” de superlotação. O que, de acordo com o relato da matéria, foi causa de situações inusitadas, como a agressão a um funcionário, revolta dos familiares dos pacientes, culminando com a revolta dos médicos.

Esse quadro nos remete a uma reflexão sobre a divisão de responsabilidades entre os gestores do SUS.

Primeiro: a gestão do sistema de saúde do município de Porto Alegre é de inteira responsabilidade do gestor municipal. Cabe a ele, e somente a ele, a regulação de todos os serviços de saúde existentes nos limites do território do município. Sejam eles públicos ou privados, quer sejam contratados ou não pelo Sistema Público. A isso se chama Comando Único do Sistema de Saúde. Mesmo que a gerência de alguns serviços seja federal ou estadual, como é o caso do Grupo Conceição, a gestão é do município. Os mecanismos que ele utilizará para garantir essa regulação podem ir desde a abertura de novos leitos (para dar vazão à superlotação das emergências), até a compra de leitos em estabelecimentos privados não contratados pelo sistema, quando esse for o caso.

Segundo: o principal problema a ser resolvido, no caso das superlotações, pelo que se discute, é a insuficiência de leitos disponíveis para o SUS em Porto Alegre. Creio que essa seja uma simplificação perigosa. O problema é um tanto quanto mais complexo. Passa por uma mudança mais profunda no modelo de atenção que temos hoje.

Em todo o caso, naquilo que diz respeito à redução de leitos, penso que existem fatos pouco esclarecidos, para dizer o mínimo, envolvendo esse assunto.

Por exemplo: alguém acredita que os grandes hospitais privados, detentores do certificado de filantropia, ofertam 60% de todos os seus serviços para o SUS? Eu não acredito. Pelas minhas contas, baseadas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), e considerando apenas os hospitais Moinhos de Vento e Mãe de Deus, que notoriamente não atendem população SUS, por baixo, eles deixam de oferecer 318 leitos que deveriam estar disponíveis para o SUS.

E esses leitos fazem toda a diferença. A população sofrida do SUS que o diga.

* Médico sanitarista, consultor do Ministério da Saúde

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