sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Jogo de Cena.

O problema da superlotação das emergências, sendo otimista, deve existir há mais de 10 anos. Como qualquer enfermidade não tratada, a tendência foi de uma piora gradativa, até chegar ao ponto crítico em que se encontra. Infelizmente, de uma certa forma, ela está “integrada” no quotidiano de sofrimentos das pessoas que vivem e dependem do SUS. Da mesma forma como estão “integradas” as filas nas unidades de atenção básica, além da espera por medicamentos, por exames complementares e por leitos hospitalares.

Nestas condições, ler ou ouvir notícias nas quais algumas organizações “sugerem” medidas para resolver – ou minimizar – o problema, soa a um profundo desconhecimento da realidade ou ao trato ligeiro das necessidades da população desassistida. Defender a contratação de mais médicos e a ampliação do número de vagas nas emergências é contraditório. Entendo necessária a contratação de mais médicos e outros profissionais da área, mas, ao mesmo tempo, creio temerário ampliar o número de leitos nas emergências.

A constatação de que essas providências não bastam e de que são necessárias medidas mais “profundas”, como uma “mudança de atitude” dos pacientes e dos profissionais, deve ser interpretada como outra visão equivocada das necessidades do sistema. Não creio que o problema da saúde pública – que, de fato, não é pública –, seja um problema de “atitude”. Acho que é bem mais um problema de prioridade de Governo e de decisão política sobre o que fazer e onde aplicar recursos na área da saúde. Já afirmei uma vez, e vou repetir: 83% dos leitos hospitalares do RS são privados. Isso já indica alguma coisa. Ou não?
E, finalmente, chegamos ao ponto central: é preciso ter uma rede básica melhor estruturada. A rede atual é precária, insuficiente e não resolutiva. Temos que investir pesado em uma rede de atenção primária, o que significa concursar profissionais e pagá-los dignamente, permitindo que possam dedicar-se integralmente à saúde pública. Essa proposta não é nova. Ela já foi formulada por diversos técnicos da área, dentre os quais me incluo. O problema, ou melhor, a questão, é colocá-la em prática, É executá-la. Simples assim. Quem se candidata a isso?

Não tenho dúvidas que, se os Governos (gestores) investirem em uma rede de atenção primária para valer, e, ao mesmo tempo, priorizarem o fortalecimento de estruturas de média e alta complexidade públicas, teremos, em pouco tempo, uma redução drástica dos sintomas de adoecimento grave pelos quais passa o SUS atualmente.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista – Ex- Secretário de Saúde de Porto Alegre
Outubro de 2010.


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