terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A mercantilização da vida!

Não são fatos isolados. Muito menos eventuais. A mercantilização das relações sociais é um fenômeno mundial, que afeta a vida de todos os cidadãos, em maior ou menor escala. Entenda-se por mercantilização, o imperativo social de realização do lucro, da competição, e da necessidade irrefreável de consumo. No mundo atual, essas categorias determinam e condicionam os “valores” vigentes na sociedade. Não são os homens que mandam no mercado, é o mercado que manda nos homens. É um mundo onde “tudo pode ser comprado e tudo pode ser vendido”. Bens como saúde, educação, moradia, saneamento, deixam de representar “valores em si”, como direitos de cidadania, e passam a ficar subordinados à realização dos ganhos financeiros dos empreendedores de negócios.

O que presenciamos é uma verdadeira inversão de valores na sociedade. São permanentes e crescentes as manifestações desse fenômeno: o endividamento absurdo das camadas médias e pobres da sociedade, através do crédito consignado e do pagamento a longuíssimo prazo, com juros extorsivos; a oferta de facilidades na compra de planos de seguro saúde, cujo retorno é de qualidade extremamente duvidosa; a corrupção sistêmica, que alcança todas as áreas; a ruptura do tecido social, pela distância obscena entre os milhares de muito ricos e os milhões de muito pobres; a insistência em aprovar e efetivar projetos que possuem um potencial de destruição ampliada da natureza, visando ganhos imediatos, não importando seu custo social.
Na área da saúde, onde atuo, são inúmeros os exemplos dessa subordinação do direito do cidadão ao “direito” do mercado. Começando pela venda de medicamentos e insumos, uma área de alto risco, uma vez que em função da necessidade da realização de seus lucros, as grandes indústrias farmacêuticas fazem pesadas campanhas de marketing, para garantir a venda de seus produtos. O descontrole chegou a tal ponto que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), determinou que, a partir de agora, os antibióticos somente poderão ser vendidos contra a apresentação de receita médica.
Mais um exemplo: a rede privada de saúde – hospitais, para citar o mais comum, possuem uma planilha de custos, onde está descrito o número de dias, o tipo de hotelaria, o tipo de medicamentos e demais procedimentos que podem ser ofertados a um determinado paciente, dentro de uma margem razoável de lucro. Caso o paciente ultrapasse os custos previstos, ele é convidado, por mecanismos os mais variados possíveis, a dar alta daquele hospital e buscar outro serviço. É assim que funciona.

Em um serviço público estatal, a relação que se estabelece entre o usuário e o serviço é de outra natureza. Nesse caso, o que está em primeiro lugar, sempre, é o bem estar do cidadão. Podemos discutir a qualidade do serviço, tendo em vista os baixos investimentos em saúde realizados pelo Estado. O importante, no entanto, é que nessa relação, o “valor” maior é a saúde do cidadão. Já no setor privado os determinantes são outros. Não estou aqui sugerindo que o setor privado não cuide dos pacientes. Mas sim que seus critérios estão “contaminados” pela realização do lucro.
Um terceiro exemplo, ainda: o que dizer, finalmente, da mais recente “pandemia” provocada pelo vírus H1N1? Como explicar que ela tenha surgido em um ano e desaparecido no ano seguinte. Mesmo em países onde a população não foi vacinada? Isso, dando de barato que a vacina ofereceu a proteção necessária aos grupos de risco. É uma situação, no mínimo insólita. A “pandemia” do H1N1 foi mais letal que as tradicionais causas básicas de morte, ou a necessidade de vender medicamentos, vacinas, internar pessoas, mobilizar milhões em recursos, falou mais alto?

Viver numa sociedade dominada pelos ganhos individuais e pelo lucro a qualquer custo, tem um preço extremamente alto, que a população paga e vai continuar pagando, até que se produza uma mudança substancial em suas formas de organização.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Dezembro de 2010.


Um comentário:

  1. Este comentário não tem a pretensão de se tornar um arauto do poiticamente correto e, muito menos, desqualificar politicamente os amigos que optaram por outra estratégia e/ou reação às trevas do atual momento político. Estou crivado de dúvidas como muitos de nós.

    Não tenho dúvidas que praticamente 100% de tua análise inclusa no comentário Muito mais do mesmo 2, é procedente.

    Fui um dos iludidos que votei inclusive em alguns candidatos do PSOL.
    Nos últimos anos, a cada eleição, me sinto dividido entre anular o voto ou continuar apostando.
    Acabo confiando meu voto a pessoas que dividem comigo algumas das poucas esperanças que carrego na democracia representativa, o que sobrou, até que possamos sonhar/trabalhar rumo a uma sociedade socialista. São candidatos que dizem apoiar a economia coletivista, a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, o consumo consciente, a brecadada do neo-individualismo, a luta pelos direitos de igualdade racial e as demandas de grupos como dos GL e Transexuais, da agricultura familiar e reforma agrária, a afirmação do SUS que ajudamos a criar, etc
    Ao votar, também me julgo no direito de bater forte, sempre que os políticos escancaram suas piores perversões de caráter.
    Acredito que um dia a população, via quem sabe uma Emenda Constitucional por Iniciativa Popular, inclusa na CF: (Art. 60 "A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: IV - de um e meio por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com três décimos por cento dos eleitores de cada um deles", possa promover uma radical Reforma Política, antecedida de vigorosa discução e participação popular.
    Enquanto isso não ocorre, que cada um atue dentro de suas convicções e poder de fogo.
    No mais, é continuar, como no caso do autor no artigo (um exemplo de como se pode fazer política de forma digna e consequente), fustigando incansavelmente nossa degenerada classe dirigente, buscando justiça social e a necessária mudança da organização do Estado e do exercício do Governo.
    Pessoalmente, não tenho dado descanso a esta gente. Reproduzo e-mail remetido a todos os deputados que na última eleição mandaram e-mails para a minha caixa, pedindo meu voto e que votaram a favor de seu autoaumento, se abstiveram ou se ausentaram do Plenário. O que reproduzo abaixo, foi remetido para a Dep Emilia Fernandes, que se absteve na votação:

    Cara Deputada
    Gostaria de exigir por parte de Sua Excelência, a imediata retirada de meu
    nome de sua lista de e-mails.
    É só o que posso fazer para demonstrar meu repúdio frente à solerte e
    indigna aprovação na calada da noite, do reajuste de 61,83% de seus
    próprios salários. Se mais pudesse, o faria.
    Envergonho-me de meus "representantes". Votei em Dilma e candidatos ditos
    de "esquerda". Arrependo-me. Vivi alguns anos na Inglaterra, onde fiz meu
    mestrado. Se tal acontecesse por lá, seria considerado tão bizarro e
    irresponsável, que certamente se instalaria uma onda de indignação na
    sociedade e uma crise no Parlamento.
    O que vocês merecem mesmo é conviver com tiriricas e nossa execração.
    Em matérias como essa, abstenção soa como fraqueza de caráter.
    At.
    Lenine de Carvalho
    obs.: Dispenso qualquer explicação e tomarei as medidas cabíveis se receber
    novamente QUALQUER MENSAGEM DE SEU GABINETE.

    OBS: fontanas, marcos maias, betos albuquerque, entre outros, receberam meu cartão vermelho, com igual teor. E são pessoas com quem mantive por anos, contatos rotineiros, geralmente para oferecer subsidios em projetos de lei na área de saúde coletiva e ambiental, na qual milito.
    Lenine de Carvalho
    Bioqímico Sanitarista, Mestre em Epidemiologia

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