quinta-feira, 16 de abril de 2009

Não existe rombo da previdência

Confira a entrevista com Celso Malhani, vice-presidente do Sindicato dos Auditores de Finanças Públicas do RS (Sindaf-RS) e presidente da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública. É uma das principais vozes contrárias ao projeto de privatização encaminhado pelo governo em 2007 à medida em que corrige números amplamente divulgados como “rombo” e que fazem o servidor público ser rotulado como um privilegiado.


Jornal da Ugeirm: O que é o PL 393/07?

Celso Malhani: O PL 393/07 visa a estabelecer a privatização da previdência do servidor público estadual. O Estado se desoneraria do pagamento das aposentadorias e faria, em conjunto com os servidores, uma poupança mínima durante a vida funcional. Esses recursos seriam investidos na iniciativa privada. A iniciativa privada se encarregaria de, então, no futuro, prover um retorno mensal na quantia queultrapassasse o limite de aposentação do INSS. O limite do INSS já foi de 20 e hoje está em 6,9 salários mínimos. Nessa progressão, provavelmente, chegará a 3 salários mínimos em dez anos. Então, em médio espaço de tempo, essa proposta atingiria praticamente a totalidade dos servidores.

JU: O que isso significa?

Celso: Significa que o estado não seria mais responsável pelo pagamento da tua aposentadoria, a partir do limite de 2, 3 salários mínimos, que será o limite do INSS daqui a uns dez anos. É um regime com contribuição definida durante a vida funcional, mas com benefício indefinido. A totalidade das entidades de servidores é contrária à matéria, o projeto não andou, está parado na CCJ com o relator, deputado Alexandre Postal.

JU: Seria só para os novos servidores?

Celso: Nós sabemos que isso não existe. Ele é para o serviço público e no serviço público ele vai se colocar de forma transacional no tempo. Esse projeto pesa como uma ameaça para os servidores atuais que, a qualquer momento, serão empurrados por qualquer manobra legislativa para dentro dessa privatização da aposentadoria, que a história está a mostrar que não funciona.

JU: Quais os exemplos de que não funciona?

Celso: De 1971 pra cá, nós tivemos uma quebra de todos os fundos de investimento. Em 85, uma quebra de todos os Montepios do RS. Agora, em 2008, no setembro negro, parece-me que quebraram os fundos em todo mundo. E o dinheiro público, dinheiro dos governos, serve para salvar grandes corporações. Só que a sociedade está pagando pela segunda vez.

JU: Temos exemplos semelhantes já implantados no país?

Celso: O RS é o único que ainda fala nessa questão de previdência complementar através desse caminho da privatização. No país, 22 estados e mais de dois mil municípios já equalizaram sua questão sua questão previdenciária através de Regime Próprio de Previdência Social, o RPPS, com viés claro de auto-sustentabilidade. Ninguém fez um regime de previdência complementar nos moldes do PL 393/07.

JU: A arrecadação do IPE é em torno de 50 milhões de reais e o gasto mensal para o pagamento de aposentadorias gira em torno de 450 milhões de reais. Como enfrentar esse déficit?

Celso: 50 milhões é a parte descontada do servidor, em 11%. Mas o sistema é contributivo e o estado deve entrar com outros 100 milhões. É a parte do empregador, de 22%, estabelecida em legislação recente, em 2004. A Secretaria de Fazenda induz o erro quando informa apenas a arrecadação descontada do servidor.

JU: Fica ainda um rombo de 300 milhões de reais por mês.

Celso: Nós temos uma receita previdenciária anual de algo em torno de 2 bilhões de reais e também uma despesa de 5,3 bilhões, o que deixaria uma diferença em cerca de 3,3 bilhões. Isso não é um déficit, ou um rombo. Isso é a cobertura de um passivo previdenciário contraído pelo estado nos últimos 70 anos, onde ele bancou um regime previdenciário de repartição simples, que é baseado num sistema de relações futuras.

JU: Como era esse regime de repartição simples?

Celso:
Em 1930, 40, era um volume grande de servidores. Esse volume grande pagava a previdência dos aposentados. O estado contratava com o compromisso de te aposentar. Obviamente, o estado tinha uma reserva previdenciária que não entregava ao servidor. Poderia reter para depois distribuir, mas o estado fez outra opção: aplicar os recursos em prioridades mais imediatas da sociedade, tais como educação, saúde, infraestrutura viária etc. O estado investiu no bem-estar social e se furtou de pagar juros, porque usou o dinheiro que deveria ter poupado para a previdência dos servidores. Chegou a hora de pagar. E é sem juros. Houve então a geração desse passivo previdenciário ao longo de décadas.

JU: Por que parte da opinião pública acredita que o servidor público é um privilegiado?

Celso: A opinião pública, quando é adequadamente esclarecida sobre o tema, sempre vem na direção certa. O Brasil tem melhorado muito, precisamos de uma previdência séria, que tenha controles, que tenha clareza na arrecadação e na aplicação desses recursos. Que não saia distribuindo benesses com o chapéu alheio. A sociedade precisa se empenhar em corrigir as enormes distorções que existem na aposentadoria do setor privado. Tivemos um aumento do salário mínimo em torno de 12,1% e nas aposentadorias em geral, de 5,9%. É óbvio que isso é confisco. A sociedade tem que se organizar para lutar contra isso e não usar isso como paradigma para prejudicar outra parcela da sociedade.

Fonte: Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do Rio Grande do Sul (Ugeirm). Jornal da Ugeirm, março de 2009, página 12.

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