quinta-feira, 16 de abril de 2009

Uma Tragédia Urbana

Saiba o que pensa o arquiteto Nestror Ibrahim Nadruz sobre o Plano Diretor de Porto Alegre. Nestor é representante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN) no Fórum de Entidades da Câmara Municipal de Porto Alegre. O texto de sua autoria foi extraído do blog da http://agapan.blogspot.com/


"A última peça de ordenamento urbano abrangente, em Porto Alegre, foi o Plano Diretor que gerou a L.C. 43/79. Ele tinha parâmetros de "controle real" sobre as constantes investidas especulativas imobiliárias, que sempre reivindicaram mudanças de conceitos e aplicabilidade desta ferramenta. Esta lei normalizou com regras claras, o crescimento desta cidade, com suas consolidadas interações e intervenções. Foi injustamente confundida como um programa da Ditadura Militar, então no Poder.

Tanto é assim que, a partir da década de 80, de maneira sorrateira, infiltrou-se, no ambiente de discussão das questões urbanas de Porto Alegre, um forte lobby empresarial, contra a lei do Plano existente. Ao se permitir, no âmbito municipal, por volta de 1986, a duplicação das alturas dos prédios, fixados por aquela lei, elaborou-se aí a primeira novidade urbanística, sem nenhuma análise prévia. Com isso, iniciou-se a destruição da vocação unifamiliar de vários bairros como o caso do Bairro Bela Vista, ao se substituir as casas por grandes edificações verticais e desmontando as características morfológicas dos espaços, retirando das ruas, em sua convivência social e ambiental, os pedestres locais. Ausência e desconhecidos transeuntes, vieram substituir o tipo de presença naqueles lugares. Com estas edificações novas, foram agregados os automóveis, estranhos, indiferentes e poluitivos.

Mas, passados 10 anos, evoluiu-se para novos conceitos conhecidos como Estratégias de Desenvolvimento Urbano. O novo estudo de Plano Diretor, em andamento, foi sustentado por grupos interessados no desmonte do antigo plano em vigor, e sem a participação popular expressiva. Marcou, no entanto, presença forte de técnicos e empresários da construção civil. Isto significou que foi no assento deste novo agente, chamado Poder Econômico – que nasceu o atual texto da L.C. 434 – PDDUA, aprovado em 1999.

Na época, este plano notabilizou-se, por sua ampla divulgação. A posteriori, deu-se a conhecer o texto original do seu projeto, entre eles uma negociação previamente acordada em edificações, na parte conhecida como Projetos Especiais. Esta negociação foi revista por ações externas, que influíram nas decisões dos vereadores desta cidade. Deste feito, o documento final resultou eivado de interpretações dúbias e confusas, até em sua organização textual. A única parte realmente interessante como proposta é sua JUSTIFICATIVA inicial.

Uma avalanche de projetos novos da construção civil para aprovação na Prefeitura, se fizeram sentir, neste decênio. Portanto, a atual Administração Municipal, em razão do atropelo, e do jogo político que se instalou nos corredores municipais, não encontrou tempo para estudos de outros projetos alertados nesta importante Lei. As diversas regulamentações necessárias previstas deixaram muito a desejar. O que nos resta a dizer é que, hoje, a cidade mostra o que se exige dela: a retaliação urbana para possibilitar uma nova fisionomia urbanística. Para atingir este objetivo, provocou-se uma aceleração sem precedentes, para aprovar projetos – com suas razões não devidamente esclarecidas à população -. Com diretrizes orientadas por um órgão chamado CAUGE, alem da receptividade dócil do CMDUA ao novo Sistema, forçou também uma agilização.
Foram poucos os debates entre os integrantes deste Conselho, face sua composição deliberativa, com maioria esmagadora de defensores e aliados do Poder. Este procedimento, foi copiado de muitas cidades brasileiras, principalmente São Paulo. Demonstra-se aqui o domínio do poder econômico, de maneira universal, levando às cidades, a ser um produto, como uma mercadoria, para lucro e usura. É a tese do Mercado "laisser faire". Assim, o que mais impressiona, é que os encaminhamentos, as posturas e as exigências para viabilizar empreendimentos de grande porte têm a mesma orientação em qualquer lugar do mundo, como um catecismo bíblico. Exemplo: até agora aguardamos o cumprimento do Estatuto da Cidade e a lei complementar do EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança. Os resultados desta demora, também comuns em outras comarcas, é boa para quem?

O ingresso incrível de automóveis na malha urbana, onde a circulação viária sofre um descontrole , supera e despreza os pedestres, traz insegurança generalizada. As vias, por não ter freamento com propostas para este estado de coisas, transformaram-se em pistas perigosas e barulhentas.

Mesmo assim, este novo Plano Diretor não serve mais aos interesses dos empreendedores. Eles querem mais... e para isso apresentam projetos à feição dos seus interesses privados, caso a caso, tudo como "Projetos Especiais", tais como o Pontal do Estaleiro para a Ponta do Melo, o prédio de escritórios do Shopping Praia de Belas, os estádios da dupla Grenal e áreas circundantes, o aumento do Shopping Iguatemi e as 4 torres de 95 metros de altura do Barra Shopping, desfigurando, por fim, a cidade de Porto Alegre como Cidade Sorriso. Mas virão mais. São "planinhos diretores" pontuais, com alterações de conveniência para o setor privado. Temos hoje, então, uma cidade falsa, virtual, socialmente separatista, referendada pela municipalidade e grupos empresariais. Existem apreensões agora pelo perigo que ronda a Orla do Guaíba, em novos empreendimentos. Sua característica formal, cultural e patrimonial, e sua saudável linearidade, onde o por do sol é extraordinário, até como referencia turística para uso de seus cidadãos, é submetida a um tumultuado jogo de interesses de grupos especulativos, ao requerer e priorizar a Orla para grandes negócios. Com isso, afastam cada vez mais a população de baixa renda, tirando-lhes a cidadania e, em troca, devolve-lhes o estigma de párias ou criminosos sociais.

Ao não se aplicar mais o documento legal em vigor, em sua maneira concebida e submetida como é a constantes alterações, (LC 434/99) despresa-se a Sustentabilidade - um termo tão em moda - , e cujo real significado é colocar, em um mesmo plano, os interesses sociais, ambientais e econômicos. Tal padrão para que tenhamos um salutar equilíbrio, não está acontecendo, pois advêm de muitos pareceres interpretativos, que estão levando a graves decisões processuais no Município. Acentuamos aqui, na espécie, a repetida mudança dos Regimes Urbanísticos, demonstrando com isso a fragilidade pública oficial, e desconsiderando a sociedade como um todo. Pois a comunidade participativa, aumentam suas vozes, inconformadas e revoltadas, e cada vez mais expressivas. Não se está mais aceitando o açodamento de retirar a qualidade de vida, das populações e dos ecossistemas, graças a esse Poder Econômico, que tem a última palavra em tudo. Apoia-se e respeita-se as Leis deste País, quando elas têm visão social e ambiental, inequivoca.


É dever defender o patrimônio público conforme sua interpretação legal, conforme a Lei Orgânica do Município instrui. A Câmara Municipal parece desconhecer sua legislação maior, diante dos recentes acontecimentos que envolvem a ocupação da Ponta do Melo, na Orla. Pensem nisso, cidadãos de Porto Alegre. Muito obrigado."

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