sábado, 17 de dezembro de 2011

OS MENOS IGUAIS

(artigo publicado na Zero Hora do dia 17.12.2011)

Para muitos, pode parecer insignificante. Afinal, são só 270 “loucos” asilados em um hospital psiquiátrico. Ou eram 270. Provavelmente, hoje, já sejam alguns a menos. No entanto, do meu ponto de vista, nesses 270 doentes mentais estão representados todos os cidadãos. Pelo simples e singular fato de que eles são seres humanos, tanto quanto qualquer outro indivíduo. Infelizmente, as coisas não funcionam desse modo. Uns são discriminados, por pobres, por deficiências físicas ou mentais, pela cor, pelo credo, pela orientação sexual, e por tantas outras (des)razões. Outros, nossos “iguais”, são tratados de forma diferenciada, respeitados e, muitas vezes, sem que saibamos, escondem “problemas” morais e/ou éticos, que os “loucos” são incapazes de sentir.

O preâmbulo serve para manifestar, mais uma vez, minha inconformidade com a maneira como são tratados os pacientes e os funcionários do Hospital Psiquiátrico São Pedro.

Como parte dessa preocupação, fiz um levantamento das causas de óbito entre os pacientes daquela instituição. Abaixo, detalho os principais aspectos desse levantamento.

Primeiro, e o mais importante, a principal causa de morte entre os pacientes são as doenças respiratórias. É o que nos mostram os 115 óbitos referentes ao período que vai de janeiro de 2006 a junho de 2011. 23,5% dos pacientes morreram de doenças respiratórias; 18,3% por doenças circulatórias e 12,2% de doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas. Os dados foram obtidos do Sistema de Mortalidade (SIM), Núcleo de Informações em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde/RS.

Na população geral, a principal causa de morte são as doenças circulatórias. 30,1% da população morre em função de alguma doença relacionada a esse sistema. Depois vêm os óbitos por neoplasias (tumores), que somam 21% e, em terceiro, os óbitos por doenças do aparelho respiratório, que totalizam 11,9%. Os dados referem-se aos óbitos ocorridos no Estado, no período de 2007 a 2010.

Tendo em conta as precárias condições de vida (moradia, principalmente) a que estão submetidos os pacientes do Hospital São Pedro, não é de estranhar que, diferentemente da população geral, lá as pessoas morram mais por doenças respiratórias. Não temos condição de dimensionar o número de mortes evitáveis, caso o governo adotasse as medidas necessárias para melhorar as condições de vida daquelas pessoas. Reforma da área física das unidades, instalação de sistemas de condicionamento de ar, pequenos elevadores nas unidades de dois andares, certamente reduziriam o número de óbitos que lá ocorrem.

Creio que a forma como um governo se relaciona com esses segmentos da população, que são os mais sofridos e que mais necessitam de um olhar atento e cuidadoso, diz tudo sobre o seu caráter. Nesse sentido, me parece que ao governo atual está faltando um tanto de sensibilidade e de humanidade na sua relação com os que mais necessitam de seus cuidados.


Lucio Barcelos
Médico sanitarista

domingo, 11 de dezembro de 2011

Seis por meia dúzia.


Enfim, o Senado da República aprovou, poucos dias atrás, a Emenda 29, que define os percentuais que os entes federados devem aplicar anualmente, no sistema público de saúde. Deveria ser motivo para muito regozijo e grandes festejos. Infelizmente, basta um olhar mais atento, para chegarmos a conclusão de que não houve qualquer avanço significativo. Ao contrário. A base do governo Federal, mais uma vez, manobrou para que não fossem aprovados os 10% das receitas correntes brutas da União. A aprovação desse percentual elevaria os recursos para a saúde em algo como 35 bilhões de reais. Os Estados e os municípios continuam tendo que aplicar, respectivamente 12% e 15% de suas receitas, como deveriam fazer há muitos anos. A maioria dos municípios cumpre esse dispositivo e a maioria dos Estados, como é sabido não cumpre. O nosso Estado, continua, vergonhosamente, campeão entre os que menos investe.
O governo da Presidente Dilma, optou por seguir a mesma fórmula dos governos FHC e Lula. Em 15 anos (1995 a 2010) os gastos com a dívida somaram R$ 6,8 trilhões (equivalente a dois PIBs). Para a saúde, que é política prioritária do governo na ficção, a União continua a aplicar o que empenhou no ano anterior, mais a variação nominal do PIB. Como andamos em tempos bicudos, de crise econômica, sem perspectivas reais de melhoria a médio prazo, o aumento real de recursos para a saúde, não vai acontecer. E ainda tem a DRU (Desvinculação das Receitas da União), que significa a redução de 20% do orçamento para uso em políticas sociais.


A propalada regulamentação do que se entende como “atividades típicas da área da saúde” , não tem nada de novo. O Conselho Nacional de Saúde, órgão colegiado máximo, deliberativo e formulador de políticas nesta área, regulamentou esse tema em sua Resolução número 322 de 2003. Até hoje, que se saiba, Estados e a maioria dos municípios, fazem-se de mortos e ignoram solenemente essa norma. Não será agora, por conta de uma Lei, que isso vai acontecer. Pelo menos não nesse Brasil da impunidade, onde cumprir lei, ser preso, sofrer violência e agora, provavelmente, sofrer uma “internação compulsória” é apanágio dos 70% de pobres existentes no país.


Enquanto isso, o Prefeito de Porto Alegre, que ainda não conseguiu colocar em funcionamento algumas dezenas de leitos do Hospital Independência, por absoluta falta de decisão política, e está praticando uma política de “desmanche” do único Laboratório de Saúde Pública existente no município de Porto Alegre (nas dependências do Postão da Vila dos Comerciários), promete mais 1.000 leitos hospitalares até 2014. Em minha opinião isso vai, mais uma vez, ficar no discurso. O que o prefeito deveria fazer é ampliar a cobertura populacional do Programa Saúde da Família, dos atuais 26% para 80%, como recomenda o Ministério da Saúde e fortalecer o Laboratório municipal. Se isso fosse realizado, certamente não precisaríamos de mais 1.000 leitos. É possível que menos da metade disso fosse suficiente. Principalmente se o competente governo do Estado, colocasse em prática a tão falada “regionalização” da saúde. Que também nunca sai do papel.
Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Dezembro de 2011.