sábado, 12 de novembro de 2011

12 de novembro de 2011 |
ARTIGOS - ZH

Desvios marqueteiros, por Lucio Barcelos*

Fica difícil levar a sério um governo que arrecadou, até a primeira semana de novembro deste ano, o montante de R$ 18,906 bilhões, e que continua, mesmo assim, aplicando miseráveis 3,75% de sua arrecadação tributária líquida (ATL) em saúde. Descumpre, solene e impunemente, a Emenda 29, que determina que os Estados apliquem 12% de suas receitas tributárias líquidas, em saúde. Pior do que isso, mantém-se com o título vergonhoso de Estado que menos aplica em saúde no país.

E é com esse padrão de descaso com a saúde da população que o governo do Estado lança seu programa “O governador pergunta”, tendo como mote inicial a saúde pública. Beleza pura. Até o final de outubro, o governo colocou na saúde R$ 736 milhões. Deveria ter colocado R$ 2,523 bilhões. Diferença pouca é bobagem. Então, não dá para vir com esta conversa mole, de que vai ouvir a população para saber o que deve ser feito para melhorar o sistema de atendimento ao público. E tem, inclusive, uma Van percorrendo a Região Metropolitana para coletar opiniões daqueles que não têm internet. É um governo deveras popular. Não tem como questionar! E o pior é que parte da população, pobre e desinformada, é capaz de levar uma aberração dessas a sério.

Até as pedras sabem quais são as prioridades e onde aperta o calo de quem precisa e depende do sistema público de saúde. Acho enfadonho, mas vamos lá: o governo tem que, urgentemente, ampliar a rede de atenção básica em saúde. Hoje, por exemplo, o percentual da população coberta pela Estratégia Saúde da Família, em Porto Alegre, é de 25%. Deveria ser de 80%. E não sabemos qual a qualidade do atendimento desses 25% instalados. Pagar um salário digno e ampliar o quadro de funcionários, permitindo um atendimento digno; melhorar e ampliar o número de serviços de urgência/emergência; ampliar o número de leitos hospitalares; botar para funcionar o laboratório farmacêutico do Estado (Lafergs); ampliar o número de serviços próprios do Estado, reduzindo a dependência e submissão aos serviços privados; construir uma rede própria de serviços diagnósticos e terapêuticos; incentivar uma rede de ensino e pesquisa (Uergs) voltada para o perfil epidemiológico da população do Estado. Se fizer metade disso, já será um alívio para quem fica penando numa fila ou aguardando anos para conseguir um exame, uma consulta especializada ou uma internação.

Já estou ouvindo os espertos do governo dizer que algumas dessas atribuições são dos municípios. É verdade. Mas os municípios, em sua grande maioria, aplicam mais do que os 15% determinados pela EC 29. E, se o Estado não der um reforço, como determina a Constituição, com seu orçamento, não tem município que aguente. E, mais uma vez, vai sobrar para a população pobre.

*Médico sanitarista

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Nem tanto ao mar...
Não pretendo entrar no triste debate a respeito do direito ou não direito do Ex- Presidente Lula tratar seu câncer de laringe no hospital Sírio-Libanês. Desejo a ele pronto restabelecimento e longa vida.

Apenas, entendo que as pessoas que estão envolvidas nesse debate, deveriam estar a par dos seguintes fatos:

1 - O hospital Sírio-Libanês é uma instituição privada, com certificado de filantropia, que faz parte do seleto grupo dos 06 hospitais qualificados como de “Excelência” pela Portaria MS 3276 de 28/12/2008. São hospitais que, de acordo com a portaria referida, no prazo de 03 anos, receberão a bagatela de R$ 680 milhões de reais em isenção de contribuições sociais, sem a necessária contrapartida do atendimento de 60% de pacientes SUS dependentes. Esses hospitais receberão essa volumosa soma de benefícios para ”apoiar o desenvolvimento institucional do SUS”. Referem-se a ações de capacitação, qualificação da gestão, serviços de apoio, etc. Desse total, a parte de isenções que cabe ao Sírio-Libanês é de R$158 milhões e 327 mil reais. Em outras palavras, o Sirio-Libanês não está fazendo nenhum favor ao prestar atendimento ao ex-presidente Lula ou a qualquer cidadão brasileiro. É sua obrigação.

2 - Poucos devem saber, mas no ano de 2010 o SUS produziu 3 bilhões e 600 milhões de procedimentos. Isso representa 18,8 procedimentos por habitante/ano. São 1 bilhão e 800 mil procedimentos de atenção básica; 426 milhões de exames de patologia clínica; 1 milhão e 875 mil tomografias computadorizadas; 383 mil ressonâncias magnéticas entre outros procedimentos de média e alta complexidade.

3 – A pergunta que fica é a seguinte: qual SUS produziu essa montanha de procedimentos. O público, universal e integral, proposto na Constituição Federal, ou o das empresas de saúde, das quais os governos compram serviço. A resposta, por óbvio, é que 70% ou mais desses serviços são produzidos pelas empresas de saúde.

Faz diferença, se a produção é pública ou privada? Em minha opinião, faz toda a diferença. O acesso aos serviços privados, mesmo os contratados pelos governos, está subordinada ao tamanho do bolso do cidadão. Entra quem tem dinheiro. Quem não tem fica no fim da fila. E não tem conversa. Quem manda são as regras de mercado e o lucro. A saúde, nessas circunstâncias é uma mera mercadoria. E assim ela é tratada.

4 – Com todo o respeito àqueles que defendem que os governos não têm dinheiro para bancar uma saúde decente para toda a população, discordo dessa afirmação. No país da impunidade, da corrupção e do superfaturamento, que perde bilhões em negócios pouco claros ou em “incentivo” aos privados, e que, neste ano, já arrecadou R$ 1 trilhão e 174 bilhões de reais (soma da arrecadação da União, Estados e municípios), e investe na saúde pouco mais de 3,5% do seu PIB, tem com absoluta certeza dinheiro para ofertar uma saúde decente para toda a população. Não oferta porque não é sua prioridade. Ao contrário. A política dos governos é desqualificar e desfinanciar o sistema público que ainda resta, para constranger a população a ingressar no mundo maravilhoso do mercado dos planos privados de saúde. E haja paciência!!!

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Novembro de 2011