sábado, 17 de dezembro de 2011

OS MENOS IGUAIS

(artigo publicado na Zero Hora do dia 17.12.2011)

Para muitos, pode parecer insignificante. Afinal, são só 270 “loucos” asilados em um hospital psiquiátrico. Ou eram 270. Provavelmente, hoje, já sejam alguns a menos. No entanto, do meu ponto de vista, nesses 270 doentes mentais estão representados todos os cidadãos. Pelo simples e singular fato de que eles são seres humanos, tanto quanto qualquer outro indivíduo. Infelizmente, as coisas não funcionam desse modo. Uns são discriminados, por pobres, por deficiências físicas ou mentais, pela cor, pelo credo, pela orientação sexual, e por tantas outras (des)razões. Outros, nossos “iguais”, são tratados de forma diferenciada, respeitados e, muitas vezes, sem que saibamos, escondem “problemas” morais e/ou éticos, que os “loucos” são incapazes de sentir.

O preâmbulo serve para manifestar, mais uma vez, minha inconformidade com a maneira como são tratados os pacientes e os funcionários do Hospital Psiquiátrico São Pedro.

Como parte dessa preocupação, fiz um levantamento das causas de óbito entre os pacientes daquela instituição. Abaixo, detalho os principais aspectos desse levantamento.

Primeiro, e o mais importante, a principal causa de morte entre os pacientes são as doenças respiratórias. É o que nos mostram os 115 óbitos referentes ao período que vai de janeiro de 2006 a junho de 2011. 23,5% dos pacientes morreram de doenças respiratórias; 18,3% por doenças circulatórias e 12,2% de doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas. Os dados foram obtidos do Sistema de Mortalidade (SIM), Núcleo de Informações em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde/RS.

Na população geral, a principal causa de morte são as doenças circulatórias. 30,1% da população morre em função de alguma doença relacionada a esse sistema. Depois vêm os óbitos por neoplasias (tumores), que somam 21% e, em terceiro, os óbitos por doenças do aparelho respiratório, que totalizam 11,9%. Os dados referem-se aos óbitos ocorridos no Estado, no período de 2007 a 2010.

Tendo em conta as precárias condições de vida (moradia, principalmente) a que estão submetidos os pacientes do Hospital São Pedro, não é de estranhar que, diferentemente da população geral, lá as pessoas morram mais por doenças respiratórias. Não temos condição de dimensionar o número de mortes evitáveis, caso o governo adotasse as medidas necessárias para melhorar as condições de vida daquelas pessoas. Reforma da área física das unidades, instalação de sistemas de condicionamento de ar, pequenos elevadores nas unidades de dois andares, certamente reduziriam o número de óbitos que lá ocorrem.

Creio que a forma como um governo se relaciona com esses segmentos da população, que são os mais sofridos e que mais necessitam de um olhar atento e cuidadoso, diz tudo sobre o seu caráter. Nesse sentido, me parece que ao governo atual está faltando um tanto de sensibilidade e de humanidade na sua relação com os que mais necessitam de seus cuidados.


Lucio Barcelos
Médico sanitarista

domingo, 11 de dezembro de 2011

Seis por meia dúzia.


Enfim, o Senado da República aprovou, poucos dias atrás, a Emenda 29, que define os percentuais que os entes federados devem aplicar anualmente, no sistema público de saúde. Deveria ser motivo para muito regozijo e grandes festejos. Infelizmente, basta um olhar mais atento, para chegarmos a conclusão de que não houve qualquer avanço significativo. Ao contrário. A base do governo Federal, mais uma vez, manobrou para que não fossem aprovados os 10% das receitas correntes brutas da União. A aprovação desse percentual elevaria os recursos para a saúde em algo como 35 bilhões de reais. Os Estados e os municípios continuam tendo que aplicar, respectivamente 12% e 15% de suas receitas, como deveriam fazer há muitos anos. A maioria dos municípios cumpre esse dispositivo e a maioria dos Estados, como é sabido não cumpre. O nosso Estado, continua, vergonhosamente, campeão entre os que menos investe.
O governo da Presidente Dilma, optou por seguir a mesma fórmula dos governos FHC e Lula. Em 15 anos (1995 a 2010) os gastos com a dívida somaram R$ 6,8 trilhões (equivalente a dois PIBs). Para a saúde, que é política prioritária do governo na ficção, a União continua a aplicar o que empenhou no ano anterior, mais a variação nominal do PIB. Como andamos em tempos bicudos, de crise econômica, sem perspectivas reais de melhoria a médio prazo, o aumento real de recursos para a saúde, não vai acontecer. E ainda tem a DRU (Desvinculação das Receitas da União), que significa a redução de 20% do orçamento para uso em políticas sociais.


A propalada regulamentação do que se entende como “atividades típicas da área da saúde” , não tem nada de novo. O Conselho Nacional de Saúde, órgão colegiado máximo, deliberativo e formulador de políticas nesta área, regulamentou esse tema em sua Resolução número 322 de 2003. Até hoje, que se saiba, Estados e a maioria dos municípios, fazem-se de mortos e ignoram solenemente essa norma. Não será agora, por conta de uma Lei, que isso vai acontecer. Pelo menos não nesse Brasil da impunidade, onde cumprir lei, ser preso, sofrer violência e agora, provavelmente, sofrer uma “internação compulsória” é apanágio dos 70% de pobres existentes no país.


Enquanto isso, o Prefeito de Porto Alegre, que ainda não conseguiu colocar em funcionamento algumas dezenas de leitos do Hospital Independência, por absoluta falta de decisão política, e está praticando uma política de “desmanche” do único Laboratório de Saúde Pública existente no município de Porto Alegre (nas dependências do Postão da Vila dos Comerciários), promete mais 1.000 leitos hospitalares até 2014. Em minha opinião isso vai, mais uma vez, ficar no discurso. O que o prefeito deveria fazer é ampliar a cobertura populacional do Programa Saúde da Família, dos atuais 26% para 80%, como recomenda o Ministério da Saúde e fortalecer o Laboratório municipal. Se isso fosse realizado, certamente não precisaríamos de mais 1.000 leitos. É possível que menos da metade disso fosse suficiente. Principalmente se o competente governo do Estado, colocasse em prática a tão falada “regionalização” da saúde. Que também nunca sai do papel.
Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Dezembro de 2011.

sábado, 12 de novembro de 2011

12 de novembro de 2011 |
ARTIGOS - ZH

Desvios marqueteiros, por Lucio Barcelos*

Fica difícil levar a sério um governo que arrecadou, até a primeira semana de novembro deste ano, o montante de R$ 18,906 bilhões, e que continua, mesmo assim, aplicando miseráveis 3,75% de sua arrecadação tributária líquida (ATL) em saúde. Descumpre, solene e impunemente, a Emenda 29, que determina que os Estados apliquem 12% de suas receitas tributárias líquidas, em saúde. Pior do que isso, mantém-se com o título vergonhoso de Estado que menos aplica em saúde no país.

E é com esse padrão de descaso com a saúde da população que o governo do Estado lança seu programa “O governador pergunta”, tendo como mote inicial a saúde pública. Beleza pura. Até o final de outubro, o governo colocou na saúde R$ 736 milhões. Deveria ter colocado R$ 2,523 bilhões. Diferença pouca é bobagem. Então, não dá para vir com esta conversa mole, de que vai ouvir a população para saber o que deve ser feito para melhorar o sistema de atendimento ao público. E tem, inclusive, uma Van percorrendo a Região Metropolitana para coletar opiniões daqueles que não têm internet. É um governo deveras popular. Não tem como questionar! E o pior é que parte da população, pobre e desinformada, é capaz de levar uma aberração dessas a sério.

Até as pedras sabem quais são as prioridades e onde aperta o calo de quem precisa e depende do sistema público de saúde. Acho enfadonho, mas vamos lá: o governo tem que, urgentemente, ampliar a rede de atenção básica em saúde. Hoje, por exemplo, o percentual da população coberta pela Estratégia Saúde da Família, em Porto Alegre, é de 25%. Deveria ser de 80%. E não sabemos qual a qualidade do atendimento desses 25% instalados. Pagar um salário digno e ampliar o quadro de funcionários, permitindo um atendimento digno; melhorar e ampliar o número de serviços de urgência/emergência; ampliar o número de leitos hospitalares; botar para funcionar o laboratório farmacêutico do Estado (Lafergs); ampliar o número de serviços próprios do Estado, reduzindo a dependência e submissão aos serviços privados; construir uma rede própria de serviços diagnósticos e terapêuticos; incentivar uma rede de ensino e pesquisa (Uergs) voltada para o perfil epidemiológico da população do Estado. Se fizer metade disso, já será um alívio para quem fica penando numa fila ou aguardando anos para conseguir um exame, uma consulta especializada ou uma internação.

Já estou ouvindo os espertos do governo dizer que algumas dessas atribuições são dos municípios. É verdade. Mas os municípios, em sua grande maioria, aplicam mais do que os 15% determinados pela EC 29. E, se o Estado não der um reforço, como determina a Constituição, com seu orçamento, não tem município que aguente. E, mais uma vez, vai sobrar para a população pobre.

*Médico sanitarista

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Nem tanto ao mar...
Não pretendo entrar no triste debate a respeito do direito ou não direito do Ex- Presidente Lula tratar seu câncer de laringe no hospital Sírio-Libanês. Desejo a ele pronto restabelecimento e longa vida.

Apenas, entendo que as pessoas que estão envolvidas nesse debate, deveriam estar a par dos seguintes fatos:

1 - O hospital Sírio-Libanês é uma instituição privada, com certificado de filantropia, que faz parte do seleto grupo dos 06 hospitais qualificados como de “Excelência” pela Portaria MS 3276 de 28/12/2008. São hospitais que, de acordo com a portaria referida, no prazo de 03 anos, receberão a bagatela de R$ 680 milhões de reais em isenção de contribuições sociais, sem a necessária contrapartida do atendimento de 60% de pacientes SUS dependentes. Esses hospitais receberão essa volumosa soma de benefícios para ”apoiar o desenvolvimento institucional do SUS”. Referem-se a ações de capacitação, qualificação da gestão, serviços de apoio, etc. Desse total, a parte de isenções que cabe ao Sírio-Libanês é de R$158 milhões e 327 mil reais. Em outras palavras, o Sirio-Libanês não está fazendo nenhum favor ao prestar atendimento ao ex-presidente Lula ou a qualquer cidadão brasileiro. É sua obrigação.

2 - Poucos devem saber, mas no ano de 2010 o SUS produziu 3 bilhões e 600 milhões de procedimentos. Isso representa 18,8 procedimentos por habitante/ano. São 1 bilhão e 800 mil procedimentos de atenção básica; 426 milhões de exames de patologia clínica; 1 milhão e 875 mil tomografias computadorizadas; 383 mil ressonâncias magnéticas entre outros procedimentos de média e alta complexidade.

3 – A pergunta que fica é a seguinte: qual SUS produziu essa montanha de procedimentos. O público, universal e integral, proposto na Constituição Federal, ou o das empresas de saúde, das quais os governos compram serviço. A resposta, por óbvio, é que 70% ou mais desses serviços são produzidos pelas empresas de saúde.

Faz diferença, se a produção é pública ou privada? Em minha opinião, faz toda a diferença. O acesso aos serviços privados, mesmo os contratados pelos governos, está subordinada ao tamanho do bolso do cidadão. Entra quem tem dinheiro. Quem não tem fica no fim da fila. E não tem conversa. Quem manda são as regras de mercado e o lucro. A saúde, nessas circunstâncias é uma mera mercadoria. E assim ela é tratada.

4 – Com todo o respeito àqueles que defendem que os governos não têm dinheiro para bancar uma saúde decente para toda a população, discordo dessa afirmação. No país da impunidade, da corrupção e do superfaturamento, que perde bilhões em negócios pouco claros ou em “incentivo” aos privados, e que, neste ano, já arrecadou R$ 1 trilhão e 174 bilhões de reais (soma da arrecadação da União, Estados e municípios), e investe na saúde pouco mais de 3,5% do seu PIB, tem com absoluta certeza dinheiro para ofertar uma saúde decente para toda a população. Não oferta porque não é sua prioridade. Ao contrário. A política dos governos é desqualificar e desfinanciar o sistema público que ainda resta, para constranger a população a ingressar no mundo maravilhoso do mercado dos planos privados de saúde. E haja paciência!!!

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Novembro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

Um governo digital, que tal?

Li o artigo, recentemente publicado pela ZH e assinado pelo Secretário Estadual da Saúde. Não imagino de quem seja o texto, mas de qualquer sorte, o resultado é o mesmo. Trata-se de uma farsa. Uma tentativa de tornar complexo aquilo que é de uma simplicidade meridiana. Diz o artigo que “o tema do financiamento da saúde é decisivo, mas seria equivocado reduzir o problema a uma questão exclusivamente orçamentária”. E segue dizendo que “há um amplo conjunto de questões que podem, e devem, se debatidas pelos usuários do sistema de saúde, fornecendo aos gestores públicos subsídios para a tomada de decisões capazes de melhorar significativamente o atendimento à população”. Eureka! Fez-se a luz. Os gravíssimos problemas do sistema público de saúde - históricos, de décadas - existem, porque até esse momento, nenhuma mente iluminada tinha sido agraciada com a genial idéia de conceder canais eletrônicos para a população se manifestar, fornecendo “subsídios” aos confusos e apalermados gestores públicos.

O governo Tarso, e seu brilhante secretariado, encontraram a solução. A cidadania será escutada e os problemas serão resolvidos. Sinto-me profundamente aliviado. Preparem-se. Em novembro o Gabinete digital do governo do Estado vai lançar o programa “o Governador Pergunta” e os problemas da saúde serão resolvidos. Pena que esqueceram que a imensa maioria dos “usuários” do SUS é pobre ou miserável e não deve ter acesso quotidiano aos meios digitais. E que a “participação popular” está garantida pela lei, através dos Conselhos de Saúde (deliberativos) que existem nos municípios, Estados e em âmbito nacional.

Afora isso, será mesmo necessário que a população tenha que dizer ao Governador que ele tem que cumprir o que determina a Constituição Federal e a Emenda Constitucional 29, sem mascarar o orçamento? Será que o governo já não deveria saber sobre a urgente necessidade de construir um sistema público de saúde? Ou sobre a necessidade de alocar mais dinheiro para fortalecer esse sistema público. Ou fazer o LAFERGS funcionar. Ou construir uma fábrica de equipamentos e insumos. Ou concursar funcionários e pagar um salário digno. Ou ajudar os municípios a implantar uma rede de atenção básica à saúde, resolutiva, que cubra, no mínimo, 80% da população. Ou ampliar e qualificar os serviços de urgência/emergência e os leitos hospitalares? Ou, ainda, regionalizar a saúde, de verdade, com estruturas que efetivamente funcionem?

A população não precisa subsidiar o governo, com não sei quais propostas. Basta o governo ter vergonha na cara e fazer aquilo que está escrito na Constituição Federal. Basta querer fazer, não viver de costas para a população e de joelhos para os empresários, incentivando-os e subsidiando-os de todas as formas possíveis e imagináveis, que em dois minutos resolvemos essa tão “complexa” situação.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Outubro de 2011.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

07 de outubro de 2011 |

Artigo - ZH

Tiro no pé, por Lucio Barcelos*

A versão da Emenda Constitucional nº 29 (EC 29), recém aprovada na Câmara dos Deputados, conseguiu a fantástica proeza de reduzir em R$ 7 bilhões o total de recursos financeiros atualmente empregados na saúde, pelos entes públicos. Se as coisas já eram extremamente difíceis, com os recursos atuais, imagine-se com menos R$ 7 bilhões. Essa redução fica por conta de um artifício, engendrado pelos governadores, que permite que eles excluam, da base de cálculo dos 12% que devem colocar na saúde, os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Portanto, entramos para a votação da tão esperada EC 29 com R$ 71,5 bilhões e saímos com R$ 64,5 bilhões. Dá para acreditar? O que estava em questão, que era a modificação da base de cálculo dos recursos disponibilizados pelo governo federal, não sofreu alteração. A União continua a colocar a variação nominal do PIB e não se falou da proposta anterior, de 2007, o PLS 121/2007, do senador Tião Viana, que propunha 10% das receitas correntes brutas, o que elevaria os recursos para R$ 104 bilhões. Ou seja, mais R$ 32,5 bilhões para a saúde. O Senado pode reverter essa situação? Poder, pode. Só acho bom não levar muita fé, considerando sua composição atual.

A votação da EC 29 com a alteração da forma de cálculo dos recursos disponibilizados pela União, ou seja, os 10% das receitas brutas, resolveria, em tese, aquilo que se acredita ser o principal problema da saúde: mais dinheiro. Insisto, porém, na tese de que de nada adianta mais dinheiro se, concomitantemente, não for feita uma reversão no modelo do sistema em funcionamento. Mais 32,5 bilhões para comprar serviços privados não produzirão mudanças substantivas nos graves problemas de acesso da população ao SUS. Qualquer recurso novo deve, necessariamente, em meu ponto de vista, estar condicionado a uma ampliação e fortalecimento do setor público/estatal. A aprovação da EC 29, nesse sentido, deveria vincular o uso dos novos recursos a esta estratégia. O acesso a saúde não pode continuar subordinado ao poder aquisitivo dos cidadãos.

Por fim, e a título de esclarecimento: o problema da União com a extinção da CPMF, não foi perda de recursos. Os recursos oriundos da CPMF (o percentual que era destinado à saúde) foram compensados pelo aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em 2007, a arrecadação da União com esses impostos correspondia a 1,9% do PIB (R$ 49,5 bilhões) e, hoje, equivale a 2,5% do PIB (R$ 101,3 bilhões). São R$ 51,8 bilhões a mais. Vamos combinar, então, que o problema não é de disponibilidade de recursos da União. O problema é, falando de forma clara, de definição política de prioridades e de respeito com a população pobre deste país.

*MÉDICO SANITARISTA

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Loucos e invisíveis: a indiferença como política.

Antes de tratar do assunto que pretendo apresentar nesse espaço - como vivem e sobrevivem os moradores do Hospital Psiquiátrico São Pedro - creio ser indispensável fazer um breve comentário sobre as características atuais do sistema público de saúde remanescente? Grifo o “remanescente” porque, mantido o ritmo atual do processo de privatização, em poucos anos a parcela pública no sistema não passará de um traço. Com o agravante de que será, como já é, um traço caracterizado pela pobreza crônica e, aparentemente, incurável, produzida pelo descaso permanente e escandaloso dos governantes. O resultado, como todos sabemos, é um sistema que vive no limite da insolvência, para atender cidadãos vistos pelos governantes como de segunda ou terceira classe.

Voltando ao cerne da questão: como vivem e sobrevivem os invisíveis pacientes do São Pedro. Os moradores do São Pedro são idosos, em sua maioria não têm mais referência familiar, são pobres, muitos apresentam deficiências físicas e muitos são deficientes mentais, antes de pacientes psiquiátricos. Quem sabe de sua existência? Quem se importa com eles?

Nos últimos 100 dias, passei pela experiência de ser diretor geral daquele hospital. Não foi, digamos assim, uma experiência bem sucedida. E isso se deu não porque a solução dos problemas do hospital seja de altos custo e complexidade, exigindo grandes tecnologias ou vultosos investimentos. Ao contrário, são problemas comezinhos, banais. São paredes úmidas e rachadas; vidros quebrados; janelas que não se fecham; fios elétricos que não comportam a instalação de condicionadores de ar; além de prédios envelhecidos e deteriorados, com escadas nas quais os pacientes, entre idosos e deficientes, caem e se ferem.

Acrescente-se a essa situação, um quadro de funcionários insuficiente, envelhecido e, por excesso de carga de trabalho, adoecido. Tanto que permitiu o surgimento de um fato inusitado: a existência, desde 2009, de prestadores privados de serviço, dentro do hospital, remunerados com os benefícios que os pacientes recebem por meio da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS. E, para completar, a direção central da Secretaria da Saúde joga estruturas administrativas para dentro da área física do hospital, com o intuito de beneficiá-las com uma gratificação de 45% (por lei devida somente a quem trata de pacientes), ocupando instalações reformadas, usurpando-as dos pacientes.

Afinal, quanto custa resolver esse problema? Custa módicos e ridículos R$ 254.000,00. Uma migalha. Quanto custa contratar 240 ou 250 funcionários? Outra migalha, se compararmos com os dez bilhões de reais que em 2010 foi o montante de desoneração, via incentivo fiscal, que o Estado deixou de recolher de impostos potenciais. Ou seja, iniciativa e vontade política são suficientes para solucionar os problemas desse hospital. Para encerrar, é bom lembrar que as únicas coisas crônicas que existem na saúde, são algumas doenças, a incompetência dos governantes e a utilização de políticas privatizantes, contrárias aos interesses da população.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista -
Setembro de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

01 de agosto de 2011 - ZH|

ARTIGOS

Uma crise programada, por Lucio Barcelos*

É persistente o noticiário acerca dos índices de superlotação dos serviços de emergência, nos hospitais públicos e em alguns privados, de Porto Alegre.

Acho constrangedor voltar a me manifestar a respeito de um assunto que já deveria ter sido resolvido há muito tempo. Suponho que os gestores públicos devam sentir-se muito mais constrangidos pela sua inoperância, incapacidade e aparente falta de poder de decisão sobre algo que afeta a vida de milhares de pessoas (pobres, a grande maioria), diariamente.

Refiro-me à aparente ausência de poder de decisão porque, tanto quanto conheço, o gestor público tem o poder, facultado pela legislação do SUS, de intervir e/ou requisitar leitos nos hospitais privados (filantrópicos ou não) contratados pelo sistema ou não, e garantir internação imediata para aqueles cidadãos que estão sofrendo nos corredores das emergências. Alternativamente, existe a possibilidade de comprar leitos privados, por um tempo limitado, nesses mesmos hospitais. Trata-se de uma situação emergencial, que justifica plenamente essa atitude, tendo em vista o interesse público. Que, até prova em contrário, sobrepõe-se ao interesse privado. Foi isso que fizemos no período em que fui secretário da Saúde de Porto Alegre, quando ocorreu o que a imprensa convencionou chamar de “crise das UTIs”. Partimos, imediatamente, para a compra de leitos de UTI, disponíveis e reservados para os pacientes detentores de planos de saúde ou pacientes particulares, nesses hospitais. Com essa medida, solucionamos a crise. E, num segundo momento, ampliamos os leitos públicos de UTI.

A superlotação das emergências é, antes de qualquer coisa, a expressão da falência do sistema público. Só que não é uma falência qualquer, inevitável. É uma falência orquestrada, reveladora da submissão e vassalagem do sistema aos interesses privados. Rede básica ineficiente e insuficiente, combinada com superlotação de emergências, é consequência de um sistema público destroçado com o objetivo de justificar sua privatização. O anúncio da entrega do hospital da Ulbra para a mantenedora do Hospital Divina Providência e a exasperante lentidão para a construção dos 90 leitos do Hospital da Restinga confirmam esse processo.

O problema é que, hoje, a situação é outra. Bem pior. Existe uma pressão incontrolável do setor privado, com a inestimável colaboração do setor público, para privatizar todo o sistema de saúde. Não é por acaso que os espertos do setor privado “descobriram” o filão da atenção básica, e hoje brigam pela introdução das chamadas organizações sociais, Oscips e fundações privadas nessa área. O setor público constrói as unidades básicas, contrata o pessoal, e a iniciativa privada “gerencia” o sistema. Não é uma maravilha? É o chamado “capitalismo sem riscos”. Aliás, o setor privado, no Brasil, e creio que no mundo todo, nos dias atuais, só se mantém grudado nas gordas tetas do Estado. O bom e velho BNDES que o diga.

*Médico sanitarista, diretor-geral do HPSP

terça-feira, 7 de junho de 2011

ZH - 07 de junho de 2011 - ARTIGOS

Saúde em xeque!, por Lucio Barcelos*


O inverno vem aí, e as tragédias da saúde, inevitavelmente, vão se repetir. O “inevitavelmente” fica por conta da completa ausência de medidas capazes de retirar o sistema de saúde da crise em que foi colocado. Medidas pontuais e paliativas são tomadas diariamente: reforma de unidades de saúde, abertura de alguns leitos hospitalares, compra de alguns equipamentos, campanhas de imunização, ou campanhas “mi-diáticas” contra determinadas doenças, cuja eficácia ninguém se preocupa em dimensionar. Enfim, “tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Assim, não é de espantar que as emergências hospitalares estejam cada vez mais superlotadas e que a demora no acesso aos procedimentos básicos seja cada vez mais delongado.

E aí, nesse ponto, voltamos à mesma pergunta de sempre: por que os governos da União, dos Estados e dos municípios não tomam qualquer medida, por menor que seja, para dar início a um processo de reformulação/reversão na estrutura e na natureza do sistema de saúde? Não é, certamente, uma tarefa fácil. É preciso determinação política a favor da maioria da população. Reverter o sistema significa, por exemplo, iniciar a desapropriação, determinada pelo interesse público, dos grandes complexos de serviços hospitalares e de meios diagnósticos e terapêuticos, hoje em mãos privadas, dando-lhes uma função social fora do mundo dos negócios.

Uma segunda alternativa, certamente mais dispendiosa, seria construir um potente sistema público/estatal paralelo ao sistema privado. Concursar gente, pagar um salário digno, ampliar a atenção básica e os serviços de média complexidade seriam passos complementares. Retomar a produção de medicamentos pelo Laboratório Farmacêutico do Estado, que há mais de 20 anos não produz um único comprimido de aspirina, será motivo de uma grande festa popular.

O que presenciamos, no entanto, são remendos por todos os lados, medidas emergenciais, tapa-buracos. Essas ações não produzem qualquer efeito no conjunto do sistema. A crise não só continua, como se aprofunda. Se o objetivo da crise era facilitar ou justificar a privatização do sistema de saúde e estratificar o acesso de acordo com o poder aquisitivo dos cidadãos, pode-se dizer que ele está sendo relativamente bem-sucedido. O desfinanciamento do sistema público, a criação das fundações privadas e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares SA e os subsídios galopantes ao setor privado da saúde garantem isso.

Com certeza, não foi com esse objetivo que a população se mobilizou e aprovou um Sistema Único de Saúde na Constituição Federal. Ao contrário, foi para ter a garantia de acesso a um bem público, de qualidade, sem intermediários gananciosos.
*MÉDICO SANITARISTA, DIRETOR-GERAL DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO SÃO PEDRO

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Hospital de Clínicas: a privatização do público.


Em sua edição do dia 01 de maio, ZH publicou uma extensa matéria intitulada “Referência Nacional: Gestão do Clínicas vira modelo”, onde o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, é apresentado como possível modelo para os demais 46 hospitais universitários existentes no país, por conta da Medida Provisória 520/2010 que, salvo melhor juízo, tem por objetivo exterminar com o pouco de público que resta no Sistema Único de Saúde, criando a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A.


É mais ou menos a mesma coisa que tratar a saúde da população, com os mesmos parâmetros que utilizamos para montar uma fábrica de rapaduras.


O Hospital de Clínicas é uma instituição pública. Não nos interessa sua figura jurídica. Ele vive, come e dorme, às expensas do dinheiro do contribuinte. Quando falamos em saúde, a discussão preliminar, que necessariamente temos que fazer, é se a saúde é um bem público, portanto um direito universal, sem discriminação de qualquer natureza, cujo acesso deve ser igual para todos, ou se a saúde é um bem regulado pelas leis do mercado, onde o que vale é o poder aquisitivo, e o acesso aos serviços é regulado pelo poder de compra de cada um. De meu ponto de vista, não tenho a menor dúvida que saúde é um bem público, portanto um dever do Estado.


É bom que se diga que, de um orçamento de R$ 579 milhões, míseros 6% (R$ 32 milhões) são provenientes do uso indevido de 102 leitos para pacientes provenientes de planos privados de saúde. São leitos e recursos usurpados da população que paga para manter as instalações físicas, paga os salários de todos os funcionários, paga a compra de equipamentos, insumos e medicamentos, paga e sustenta, enfim a estrutura inteira da instituição. É por essas e outras, que no Clínicas subsiste a famigerada “dupla porta”, onde aos pobres se oferta o sofrimento de dias de espera na emergência e aos remediados é permitido o acesso direto, através dos nem sempre muito confiáveis Planos Privados de Saúde. Que, é bom lembrar, não ressarcem o SUS quando utilizam os serviços do mesmo.


Caso o Hospital necessite de maior aporte de recursos financeiros para pesquisa e compra de medicamentos, tenho a absoluta convicção de que o Ministério da Saúde e o MEC, uma vez provocados, aportarão esses recursos ao Hospital de Clínicas, sem que ele tenha que passar pela vexatória situação de ter que justificar o atendimento de pacientes privados em uma instituição pública para receber R$ 32 milhões.



Agenda memória: em 21 de janeiro de 2009, portanto há dois anos e três meses, o Ministério Público Federal, ingressou com uma Ação Civil Pública contra o Hospital de Clínicas, buscando que ele cumprisse a CF e as leis, dedicando a integralidade de seus leitos e procedimentos médicos ao SUS. Até o momento, passados esses dois anos e três meses, a Justiça Federal ainda não se pronunciou. Já não era tempo?


Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Diretor Geral do Hospital Psiquiátrico São Pedro
Maio de 2011

terça-feira, 29 de março de 2011

A exceção como regra!
Lenta e silenciosamente, o sistema público de atendimento à saúde vai sendo esvaziado do pouco que resta de suas forças.

Não se trata de um fenômeno recente, e já tratamos dele mais de uma vez. Tendo em vista sua gravidade, suas repercussões no cotidiano das pessoas, e do avançado grau de destruição desse sistema, não parece demais voltar, mais uma vez, ao assunto. E voltar ao assunto, implica, necessariamente, voltar a debater as origens desse fenômeno. É voz corrente entre os especialistas da área da saúde, e a imprensa repercute esse fato com frequência, a tese de que a raiz do problema está localizada na “má gestão e no financiamento insuficiente” do mesmo. Creio que essa seja uma explicação correta, porém insuficiente para explicar todo o problema. Por razões que desconheço, a grande maioria dos especialistas recusa-se a debater aquilo que está, de fato, na raiz da questão. Refiro-me à natureza do Sistema Único de Saúde, originalmente previsto para funcionar como um sistema público. Nesse caso, entenda-se público como sinônimo de estatal. Pois bem, 23 anos depois, apesar do grande crescimento da atenção primária (ainda longe, porém, do que seria necessário), e dos milhões de procedimentos financiados pelo SUS, estamos cada vez mais distantes de um sistema estatal de saúde.

Na vida real, o sistema público que subsiste (não mais do que 30% do total), está completamente abandonado e subordinado aos interesses dos setores privados da saúde. Um exemplo de sistema efetivamente público e totalmente desvalorizado, e que reflete o SUS como um todo, é o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. O HPS, instituição exemplar na área de urgência/emergência, funciona, hoje, com 17 médicos traumato/ortopedistas, enquanto seriam necessários 38 profissionais para um bom funcionamento do hospital! O hospital, portanto, está trabalhando, em sua área de excelência, com menos da metade dos profissionais que necessita. Como foi possível chegar a esse ponto? Muitos vão argumentar que esse é um problema localizado. Eu tenho a convicção de que esse é o retrato fiel do sistema: o público sucateado em benefício do privado.

Sequer dá para falar em voltar às origens, porque historicamente o SUS nunca chegou a ser majoritariamente público/estatal. Agora, é possível e necessário reivindicar que o Estado cumpra, pela primeira vez na história, o que ficou determinado na Constituição de 1988, revertendo a situação atual e impondo, gradativamente, a preponderância do setor público sobre o setor privado.


Lucio Barcelos –Médico Sanitarista

Março de 2011.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Esquizofrenia e demissões na Saúde:

As últimas semanas foram pródigas em declarações de altas autoridades governamentais a respeito dos gastos públicos do Brasil com a saúde. De acordo com essas autoridades, o Ministro da Saúde inclusive, o Brasil aplica irrisórios 370 dólares per capita/ano em seu sistema de saúde. Os países desenvolvidos, de acordo com essas mesmas autoridades, aplicam, pelo menos, dez vezes mais recursos que o Brasil. Conforme essas mesmas fontes, no Brasil, as famílias gastam mais do que o setor público para garantir seu acesso à saúde. Certamente, comprando planos de saúde ou pagando seus custos de forma direta.

Entre perplexo e assombrado, fiquei me perguntando: quem é esse “Brasil” que aplica apenas 370 dólares per capita em saúde, tão corretamente denunciado pelas autoridades governamentais? Deve ser, suponho, um ente abstrato, ingovernável. Porque o Brasil real, é governado há mais de oito anos pelo mesmo consórcio de partidos do qual fazem parte, pasmem, as “autoridades” denunciantes.

Então, vivemos numa situação de esquizofrenia absoluta. Os representantes dos partidos que governam o país há oito anos, com direito há mais quatro, que são os responsáveis pelo fato de o Brasil aplicar somente 370 dólares per capita em saúde, e que tiveram e têm todas as condições de melhorar esse escandalosamente baixo percentual, se dão ao desplante de vir a público e dizer, alto e bom som: “o Brasil aplica essa ninharia em saúde”. E aí, o governo vai fazer o que, mesmo a esse respeito? Não investiram praticamente nada em saúde nos dois mandatos do governo Lula, não será em mais quatro que investirão.

E o pior é que são as mesmas autoridades que “denunciam” que nos últimos anos, houve, no Rio Grande do Sul, uma redução de mais de 30% dos leitos hospitalares. E nada fizeram para alterar esse quadro calamitoso. São as mesmas autoridades que, por absoluta falta de vontade política, acabam de permitir a demissão de 479 trabalhadores da saúde. Que é o maior crime perpetrado contra uma categoria de trabalhadores que já presenciei. E são as mesmas que não conseguem resolver a vergonhosa superlotação dos serviços de emergência dos hospitais. E que não têm competência mínima para reduzir o tempo de espera para a realização de um simples exame complementar ou uma internação eletiva.

É um sistema que, ao contrário do que seria de esperar, caso houvesse políticas adequadas, apresenta-se em processo de desagregação, de involução. Não vejo no curto prazo, uma saída positiva para essa situação. Espero estar profundamente equivocado, e que surja algo que contradiga minhas impressões.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Março de 2011.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Por uma decisão política!

Faz alguns dias que tento entender a lógica que orienta a posição dos deputados estaduais do Partido dos Trabalhadores e do governo do Estado, a respeito dos trabalhadores contratados pela Fundação Riograndense Universitária de Gastroenterologia – FUGAST. A posição que eles expressam, até onde a vista alcança, é a de que a responsabilidade pela forma irregular, ou mesmo ilegal, dos contratos é, basicamente, desses trabalhadores. O que, saindo da cabeça de um militante de um partido de esquerda, beira ao absurdo. É uma inversão completa de responsabilidades. O governo do Estado e o gestor da Secretaria da Saúde do Estado, naquele período, é que são os reais responsáveis por essa anomalia.
Esses trabalhadores, alguns com 15, outros com 20 ou mais anos de serviços prestados ao sistema de saúde do Estado e do Município de Porto Alegre buscam, como qualquer outro trabalhador, um emprego. Se público ou privado, vai depender da oferta do mercado, no momento. E os trabalhadores fazem isso (buscam emprego), porque necessitam vender sua força de trabalho para sobreviver. Não está ao seu alcance e muito menos em suas mãos determinar a forma de contrato que se lhes é oferecida. O que lhe importa é o emprego, o salário e a possibilidade de, assim, garantir uma vida minimamente digna. A utilização de um instrumento convenial com uma fundação privada, pelo gestor da saúde de então, cabe, única e exclusivamente àquele gestor. É da responsabilidade dele, e de mais ninguém. Não é possível, 20 anos depois, penalizar os quase 500 trabalhadores por um contrato/convênio, que, anos depois, foi denunciado no Ministério Público como irregular. Os trabalhadores estão, desde sempre, prestando serviço para o Estado do Rio Grande do Sul, em serviços que fazem parte das secretarias estadual e municipal de saúde.
O problema que se apresenta, hoje, é um problema que requer, ou necessita de uma alternativa estritamente “política”, que respeite os anos de serviços prestados pelos trabalhadores ao Estado. Do ponto de vista jurídico/legal, aparentemente, não restam alternativas. O Supremo Tribunal Federal foi taxativo. Os trabalhadores devem voltar à origem até 08 de março. O que significa demissão. O que deve ficar claro é que o Governo do Estado, caso tenha disposição política para tanto, buscará e encontrará alguma alternativa para manter esses trabalhadores em suas funções, prestando os serviços que prestam, com dignidade, há mais de 20 anos.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Fevereiro de 2011.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

09 de fevereiro de 2011
Edição de ARTIGOS ZH

Retrocesso à vista, por Lucio Barcelos*
Para começo de conversa, é importante não perder de vista que a proposta de fundação pública de direito privado, com características próprias e denominada de Fundação Estatal de Direito Privado, é uma ideia pensada, cultivada e encaminhada pelo governo Lula, na forma do Projeto de Lei Complementar 92/2007, para aprovação no Congresso Nacional.

O pressuposto das fundações, sob o falso e estúpido argumento de “modernizar e agilizar” os serviços públicos, é desferir mais um ataque aos já combalidos direitos democráticos dos trabalhadores. A substituição da estabilidade da carreira pública pelo contrato celetista leva a duas consequências imediatas. Primeiro, cria uma situação de instabilidade, deixando os trabalhadores à mercê dos governantes de plantão; segundo, retira deles uma conquista histórica, que os donos do poder, do alto de seus elevados ganhos, têm a desfaçatez de chamar de “privilégio”: suas aposentadorias integrais.

Portanto, o governo Fortunati não está inventando nada de novo. Ele está cumprindo uma diretriz política do governo Dilma/Lula, como bem o demonstra a aprovação de PLs da mesma natureza nos municípios da Grande Porto Alegre governados pelo PT.

Trata-se de uma tendência geral, que atinge todo o país. Não por acaso, está em elaboração uma nova medida provisória, instituindo “empresas públicas” para gerenciar os hospitais universitários. O modelo de contratação, adivinhem, é o mesmo proposto para as fundações: regime celetista.

O mais grave disso tudo é que essas medidas refletem uma subordinação, cada vez maior, do Estado aos interesses dos donos do poder econômico. A redução de gastos com os trabalhadores tem um único objetivo: alimentar a cadeia interminável de subsídios, isenções, anistias, renúncias fiscais, empréstimos a custos quase zero e todas as possíveis e imagináveis formas diretas e indiretas de garantir as atividades lucrativas dos grandes grupos empresariais e financeiros. Apenas um exemplo. Em 2010, o governo pagou R$ 175 bilhões de juros para os seus credores. Esse valor, por certo, é maior do que a soma de gastos em saúde, educação, saneamento, habitação e políticas compensatórias (Bolsa-Família etc.). Para simplificar, não estará errado quem disser que esse é um Estado que existe para garantir a vida dos poderosos e dar migalhas para os que vivem de seu trabalho. Virar esse jogo é uma tarefa, digamos, “egípcia”.

*Médico sanitarista

sábado, 29 de janeiro de 2011

Manobras diversionistas.
Ao reduzir décadas de crise no sistema de saúde, ao suposto não cumprimento da carga horária pelos médicos, o prefeito Fortunati presta um desserviço à população de Porto Alegre e do RS.
O prefeito sabe, melhor do que qualquer um de nós, que os problemas existentes no sistema de saúde transcendem completamente essa questão particular.

A superlotação das emergências, as filas nos postos de saúde; a demora de meses ou de anos para garantir uma internação hospitalar ou uma consulta especializada; a deterioração dos prédios; a deficiência de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico; o déficit de profissionais; os baixos salários e as condições precárias de trabalho, enfim, o abandono, o desfinanciamento e o desmonte dos serviços de saúde em Porto Alegre e nos demais municípios do RS, por certo, não são de responsabilidade dos profissionais médicos contratados pelo município. Esse quadro calamitoso é o resultado de uma política deliberada de desqualificar os serviços estatais em favor dos serviços privados, fortemente subsidiados pelo Estado. É isto que está em questão, e não o cumprimento ou descumprimento da carga horária pelos médicos. Jogar a população contra os médicos, não vai ajudar a construir o Sistema Único de Saúde. Caso uma parcela deles não cumpra contrato de trabalho, existem medidas administrativas para corrigir este fato.

“Demonizar” os médicos, fazendo vista grossa para a complexidade dos problemas reais, é uma fórmula fácil e rasteira de tentar resolver a questão. Primeiro você nocauteia os serviços públicos, abandonando-o à sua própria sorte e, na seqüência, apresenta uma fundação de direito privado, como a solução para um problema que você mesmo criou.

Aos olhos da população, e parece que é isso que os “gestores públicos” pretendem, os funcionários públicos (estatutários), não trabalham., assim como o Estado não funciona, é moroso, pesado e corrupto.

Nós defendemos a primazia dos serviços estatais na área da saúde operados por um Estado voltado para satisfazer os interesses da maioria da população. O setor privado entra residualmente e com suas próprias pernas, sem subsídios públicos. Hoje, somados subsídios diretos e indiretos, o setor privado deve receber um valor equivalente à metade dos parcos recursos que o setor público disponibiliza para financiar a saúde.

O mínimo que se quer é que o debate seja franco e honesto, com todas as variáveis colocadas na mesa. Só assim poderemos cogitar de construir um sistema de saúde público digno e de qualidade.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Janeiro de 2011.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

18 de janeiro de 2011 - Seção Artigos ZH

Ladeira abaixo, por Lucio Barcelos*

Com a mesma periodicidade que se repetem as tragédias, catástrofes e devastações, proporcionalmente de maior responsabilidade dos homens do que da natureza, repetem-se os apelos à necessidade urgente de os governantes debruçarem-se sobre aspectos relacionados ao planejamento, à qualificação da gestão e à tomada de medidas de prevenção.

Porém, constata-se que nada acontece. As catástrofes continuam, em escala cada vez mais ampliada, e as medidas de planejamento e qualificação da gestão, que, supõe-se, resolveriam os problemas, não se materializam. Creio que é hora de a sociedade se perguntar se o centro dos problemas está em um melhor planejamento e melhor gestão ou se os problemas estão localizados em outra esfera. Caso me perguntassem, eu responderia que os problemas estão situados em outra área.

Não se trata apenas de ações, medidas ou propostas de planejamento ou de melhorar a gestão dos governos atuais. Antes de qualquer coisa, trata-se de opções políticas tomadas pelo Estado. Essas opções determinam para quem se planeja e se faz gestão. O Estado brasileiro, pelo que se vê, faz muito tempo que planeja para atender os interesses particulares de grupos empresariais, financeiros e corporativos. Nesta equação, os interesses da imensa maioria da população não estão em questão.

Resulta no que resultou e vem resultando há muitas décadas. Tragédias sobre tragédias, sem uma solução aparente e sem definição de responsabilidades. Morrem mais de 500 cidadãos, cidades são devastadas, milhares perdem todos os seus bens e todos vão para os meios de comunicação para manifestar seu pesar pelos acontecimentos e o quanto da responsabilidade cabe à natureza ou a imprevidência dos “outros”. Nunca de si mesmo.

A imprensa divulgou dados da ONG Contas Abertas que mostram que foram utilizados apenas 39% dos recursos federais disponíveis no Programa de Prevenção e Preparação para Desastres, estimados em R$ 425 milhões. A alocação desses recursos mostra que havia o entendimento de que era necessário “prevenir” e “planejar” antecipadamente, destinando recursos para os municípios onde a catástrofe se mostrou mais dramática.

Deve, portanto, haver explicações de outra natureza para o não uso desses recursos. Suponho que o Contas Abertas, assim como outras entidades que defendem os interesses da maioria da sociedade, ingresse com algum tipo de representação junto ao Ministério Público Federal, cobrando o não uso, que se revelou criminoso, desse montante de recursos.

*Médico sanitarista