quarta-feira, 21 de julho de 2010

A derrocada em números:

Pesquisas de opinião, recentemente publicadas pela imprensa local, mostram que de 2002 a 2010, acorreu uma mudança significativa na percepção da população a respeito da saúde, O que era uma preocupação moderada, em 2002, passou a ocupar o primeiro lugar como fonte de preocupação em 2010 (34% da população entrevistada declarou que essa deve ser a principal prioridade do próximo governo).

A pergunta que deve ser respondida, é a seguinte: quais fatores contribuíram para uma mudança tão importante na percepção das pessoas?
Em meu ponto de vista, e sei que tem muita gente que não concorda comigo, a raiz do problema está localizada na compreensão equivocada da saúde como sendo um produto, ou seja, a saúde vista como um “bem de troca”, uma mercadoria, e não como um bem público, um direito dos cidadãos, que não pode, sob nenhuma hipótese, ser objeto de venda.

Enquanto nós não revertermos esse processo, onde a saúde é vista como, “mais um produto à venda no mercado”, nós não conseguiremos organizar um sistema qualificado e eficiente para atender a população. Da forma como está estruturado, o sistema de saúde funciona para “fazer dinheiro” e nada mais. Nestas condições, quem manda, quem regula e quem dita as regras é o “mercado”! O Estado detém cada vez menos serviços próprios e passa a ocupar um lugar de mero “avalista e transferidor de renda”, garantidor do sistema privado, alimentado por subsídios abundantes e indevidos.

Por isso, não basta investir mais dinheiro ou melhorar a gestão na saúde, se não superarmos esse modelo mercantilista. A saúde, ou é pública, ou não é saúde, é negócio.

No país, mais de 70% da oferta hospitalar é privada. A Atenção Básica, que deveria ser o centro orientador do sistema, não consegue cumprir seu papel. Os serviços de maior complexidade permanecem no centro do sistema e são predominantemente privados.

Aqui no Estado, como já é sabido, temos o governo que menos investe em saúde. Deveria aplicar 12% de suas Receitas Tributárias Líquidas, e aplica menos da metade disso. A Atenção Básica cobre apenas 39% da população.

84% dos leitos hospitalares que atendem usuários do SUS são privados e 72% dos recursos financeiros destinados ao pagamento das internações hospitalares vão para esses hospitais.
A situação é idêntica, quando falamos de serviços de diagnósticos e meios terapêuticos, e mais grave quando falamos de produção de medicamentos, equipamentos, pesquisa, produção tecnológica e ensino.

Até quando o Sistema Único de Saúde, público, de acordo com a Constituição Federal, vai suportar essa avalanche de políticas contrárias a sua existência?
O desafio é imenso. E eu não confiaria sua solução ao parlamento e muito menos aos governos dos entes federados. Porque eles só vão se mexer, quando pressionados por um amplo e poderoso movimento social.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista
Ex-Secretário de Saúde de Porto Alegre
Julho/2010

domingo, 4 de julho de 2010

Artigo publicado na seção Artigos da edição da ZH do dia 03 de julho

03 de julho de 2010

Senado, para quê?, por Lucio Barcelos*

Em 2010, de acordo com fontes governamentais, o Senado da República vai custar ao bolso dos contribuintes a bagatela de R$ 3 bilhões.

São 81 senadores, rodeados por uma corte de 6 mil funcionários. Em números absolutos, significa dizer que cada senador, anualmente, custa uma média de R$ 37 milhões aos cidadãos que pagam impostos. E, neste momento, depois de o governo ameaçar não aprovar os 7,7% para os aposentados, utilizando o mais do que desgastado argumento de uma possível quebradeira na Previdência, o Senado aprova um aumento de 25% no salário de seus funcionários. É uma atitude que dá uma medida da distância que separa a “Câmara Alta” da sociedade que ele deveria representar.

Do meu ponto de vista, já há muito tempo, o Senado passou a ser uma instituição ilegítima. O termo mais adequado seria “espúria”, mas, para não passar a ideia de intransigente e radical, fico com o “ilegítima”. Na verdade, creio que deveríamos ter uma representação unicameral, com candidatos eleitos para uma única legislatura, com mandados revogáveis a qualquer momento e com voto facultativo. Não creio que fosse resolver o problema da farsa parlamentar, mas, certamente, reduziria o nível de dissociação esquizofrênica e corrupção, hoje instalados na representação parlamentar.

O mais importante disso tudo é que poderíamos utilizar esses R$ 3 bilhões e mais os 25% de aumento, para melhorar nosso sistema público de saúde. Que, como é de conhecimento geral, continua em crise, com um modelo equivocado e sem um financiamento adequado.

Com esse dinheiro todo, poderíamos ampliar a rede básica de saúde, fator primordial na sustentação do sistema de saúde. Estimando que o custeio de uma Equipe de Saúde da Família gire em torno de R$ 360 mil/ano, seria plenamente possível manter mais 8.334 equipes/ano. Só para ter uma ideia, no Rio Grande do Sul existem 1,2 mil Equipes de Saúde da Família em atividade, correspondendo a 39% da cobertura necessária. Com esses valores, conseguiríamos alocar mais 1.876 equipes para uma cobertura ideal, e ainda sobrariam recursos para implantar mais 6.458 equipes em outros Estados. Ou ficaríamos com mais um naco desse dinheiro e colocaríamos em funcionamento o Laboratório Farmacêutico do Estado (Lafergs), que está, de uma forma criminosa, parado há mais de 20 anos, ali na Avenida Ipiranga.

*MÉDICO SANITARISTA, EX-SECRETÁRIO DE SAÚDE DE PORTO ALEGRE.