domingo, 12 de setembro de 2010

Artigo publicado na edição de ZH do dia 14 de setembro de 2010.
Eleições 2010: o real e o imaginário.

Talvez, se nós parássemos um pouco para pensar, chegaríamos à conclusão de que as eleições, da forma como hoje se desenvolvem, não são mais do que um dispendioso e triste espetáculo, sem qualquer significado para nós ou para o futuro da sociedade.

Não precisa ser nenhum cientista político para constatar que são poucos os que ainda dão crédito a esse sistema. Basta andar pelas ruas da cidade, conversar com as pessoas e a conclusão óbvia é essa. A distância entre a vida real, o dia a dia dos cidadãos e o sistema político que pretensamente os representa, é quilométrica. O que resta é a imagem de um sistema que, em décadas passadas, teve algum significado para a melhoria das condições de vida das pessoas. Um sistema falido, farto em desigualdades e, sobretudo corrupto. Não que não existam alguns candidatos, ou alguns partidos com bons propósitos. O problema é que não bastam bons propósitos. As questões que de fato interessam à sociedade não são resolvidas no âmbito do parlamento. Elas se resolvem na esfera do grande capital financeiro internacional. E algumas outras de média importância, são resolvidas pelas medidas provisórias do presidente/monarca de plantão. Restam ao parlamento, algumas questões do varejo, de menor importância, que nem sempre os parlamentares conseguem resolver.

Mas, lá no fundo, as pessoas ainda acreditam na hipótese da recuperação desse sistema. Elas precisam acreditar. Eu arriscaria a dizer que se trata de um mecanismo de auto-preservação. As pessoas não admitem que algo duramente conquistado há 30 ou 40 anos passados, hoje, não passe de uma farsa grotesca, sem volta. O problema real é que essas mesmas pessoas que rejeitam o sistema, na forma como ele se apresenta, ainda não vislumbram uma alternativa concreta à ele. E, na ausência de uma opção melhor, elas não querem e não podem abrir mão daquilo que uma vez conquistaram. Elas cairiam no vazio. Viveriam uma sensação de retrocesso. De perda de conquista. O que, de um ponto de vista formal, não deixa de ser verdadeiro. Então esse é o dilema: uma farsa que se mantém como um sistema de representação cuja solução se dá pelo surgimento de uma forma representativa mais justa, o que somente pode acontecer por força de uma ampla mobilização da própria sociedade.

O problema está exatamente nisso: o que colocar no lugar do atual sistema eleitoral e de representação parlamentar? Só a população, com sua mobilização pode nos dar uma resposta. Esperemos por ela! E que seja breve!

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista e Ex-Secretário da Saúde de Porto Alegre
Setembro de 2010

sábado, 11 de setembro de 2010

A saúde pública e os leitos hospitalares.

Das duas uma. Ou eu não aprendi nada em 30 anos de dedicação à área da saúde pública, ou existe algo de muito errado na condução do processo de solução para o fenômeno danoso da superlotação das emergências, via aumento de leitos hospitalares.

Nunca ouvi dizer que o problema grave da superlotação das emergências tivesse qualquer relação ou correlação com o número de leitos hospitalares disponível para o distinto público.
Sucintamente, o que me ensinaram foi o seguinte:

1 – a explosão das emergências está diretamente relacionada com a baixa cobertura da rede de atenção básica ou atenção primária, (hoje propagada através do modelo da Estratégia Saúde da Família);

2 – essa explosão está também relacionada com o reduzido poder de resolução, da já mencionada baixa cobertura populacional da atenção básica, que se dá pelas formas precárias de contratação dos trabalhadores e dos baixos salários pagos aos mesmos;

3- essa situação de anomalia ou de disfunção do sistema empurra milhares de pessoas para os serviços de emergência. Não que elas sejam portadoras de algum quadro que caracterize uma emergência médica efetiva. Apenas que elas não são tolas. Elas perceberam que as unidades básicas, na maior parte das vezes, não resolvem seus problemas, que elas tem que ir na madrugada para uma fila, competir por uma ficha para uma consulta clínica, onde o médico vai solicitar algum exame, que demorará mais alguns meses para ser realizado, e ela terá que retornar e remarcar uma outra consulta para que o médico “traduza” o resultado do exame e lhe prescreva algum tratamento, caso necessário. É óbvio que nessas circunstâncias de espera vexatória e desrespeitosa, o cidadão elege uma emergência e, se tiver que esperar 08 ou 10 horas para ser atendido, paciência. Ali, ele sabe que o sistema, de uma forma distorcida, se “integra”: consulta, exame laboratorial, tratamento;

4- estudos mostram que mais de 50% daqueles que estão nas emergências poderiam ter seus problemas resolvidos na rede ambulatorial, se essa funcionasse efetivamente;

5 – outros estudos também provam que, se houver uma cobertura de 80% da população pelas equipes de atenção básica e, se essas equipes forem qualificadas e resolutivas, elas resolverão mais de 80% da demanda que recebem. Isto é, nestas condições, restariam para as emergências hospitalares, pronto atendimentos e Hospitais de Pronto Socorro, os casos que realmente necessitam de assistência imediata;

6 – O percentual de cobertura populacional pela atenção básica no Rio Grande do Sul é de sofríveis 39%. E, apesar de eu não conhecer nenhuma avaliação de sua efetividade, arriscaria a declarar, conhecendo a realidade do sistema básico de Porto Alegre, que a qualidade do atendimento é, sendo generoso, precária, quando não ineficaz. As filas de centenas de cidadãos na madruga, em frente aos postos de saúde, são um atestado disso;

7 – Dessa forma, não serão mais 100, 200 ou 300 leitos hospitalares que farão a diferença, naquilo que se refere ao funcionamento das emergências, ou ao funcionamento do sistema como um todo. Vale o mesmo raciocínio para as UPAS (Unidades de Pronto Atendimento). Se elas não estiverem vinculadas a uma expansão imediata e concomitante da rede básica, pode esquecer. Serão mais um trambolho, jogando dinheiro público pelo ralo;

Atenção, não estou defendendo que não se reativem os leitos dos hospitais Independência e Luterano. Estou afirmando que mais leitos não implicam, necessariamente, em uma melhora do funcionamento de um sistema público, integrado de saúde! A única alternativa efetiva é expandir e qualificar a atenção básica. Já!!!

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista e Ex-Secretário de Saúde de Porto Alegre
Setembro de 2010.