sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Caos nas Emergências, desintegração do SUS.
Chega a ser obsceno. O desrespeito e o descaso com a saúde da população já ultrapassou todos os limites do suportável.

E o mais grave é que os governantes, conscientemente, fazem de conta que estão resolvendo um problema estrutural com medidas meramente paliativas e emergenciais.

Tudo bem que se tomem medidas emergenciais. Do jeito que está, é o mínimo que pode ser feito para minorar o sofrimento dos cidadãos que buscam socorro no sistema.
Só que, pela enésima vez, o problema não é as emergências. A superlotação crônica e cada vez menos controlável das emergências é, certamente, o sintoma mais visível do total desmantelamento do sistema de saúde no nosso Estado e no país. Da sua indigência e não funcionamento.

E querem saber por quê? Porque o governo federal entregou a saúde, de mão beijada, para o setor privado. E os governos dos Estados e dos municípios fazem coro ao governo federal.

No país, 70% do sistema de assistência à saúde, está nas mãos do mercado. No Rio Grande do Sul esse número chega aos espantosos 84%. A cobertura da atenção básica (Estratégia de Saúde da Família) que serviria como barreira e solução de 80% das demandas, nos ambulatórios, evitando as superlotações das emergências, é de ridículos 39%. A produção de medicamentos, de equipamentos e de insumos, está praticamente toda ela entregue ao setor privado. É ínfima a produção desses itens de alto custo/valor pelo Estado. Só para lembrar, no custo total da saúde, 20% é custo com medicamentos.

Essa relação de abandono da saúde pelo Estado, e de promiscuidade do público com o privado é, em primeira instância, o responsável pelo quadro catastrófico que temos assistido nos últimos anos.

São 1300 operadoras de planos privados que vivem estudando a melhor forma de burlar o SUS, transferindo suas responsabilidades para o Estado e brigando até a morte para não reembolsá-lo. São milhares de instituições privadas com certificado de filantropia que ludibriam o Estado, maquiando suas contabilidades e escolhendo os procedimentos que acham oportuno fornecer ao SUS. Somando essas ‘malandragens’ com as renuncias fiscais oficiais, devemos chegar a alguns bilhões de reais anuais.

É fácil resolver esse problema? Em parte sim, em parte não. Tem que ter um governo que defenda os interesses da maioria dos cidadãos e cumpra o que reza a Constituição Federal: saúde é um direito da cidadania e o Estado é responsável pela sua execução! De preferência fora da ingerência do mercado.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista
Ex-Secretário de Saúde de Porto Alegre
Agosto de 2010.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Escolha seu Candidato: mas não se apresse!

As eleições estão aí, batendo em nossa porta, insistentemente.

Apesar do descrédito generalizado, apontado em todas as pesquisas de opinião; apesar da desconfiança, também generalizada, em relação àqueles que são vistos como “políticos profissionais” e apesar do completo esgotamento do sistema eleitoral e da forma atual de representação parlamentar, não temos como não votar. Não nos foi dado esse direito. Voto obrigatório, restrições posteriores para quem não cumprir seu “dever cívico”, problemas à vista.
Dessa forma, com todos os “senões” ditos e não ditos, vamos votar.

Só acho que, antes de votar, devemos fazer uma pequena reflexão sobre como escolher nosso candidato, procurando reduzir ao mínimo, o risco de jogar nosso voto na lata do lixo. Antecipo que não será uma tarefa fácil.

Por precaução e por resguardo, creio prudente listarmos alguns critérios e/ou pré-requisitos, relacionados com o sistema de representação tal qual ele se apresenta e, por dever de militância, com a área da saúde, que considero essencial para melhorar as condições de vida da população. Não necessariamente em ordem de importância penso que só deveríamos votar em um candidato que:

1 – assuma como proposta prioritária a defesa do voto facultativo. Voto é um direito da cidadania e não um dever. Quem supõe que a população não tem discernimento para decidir em quem votar, não merece ser votado;

2 – assuma a defesa da proibição do instituto da reeleição. Em outros termos, os candidatos são eleitos por um único mandato e depois voltam para suas vidas e profissões normais. Política não é profissão é prestação de serviço;

3 – que apóie a revogabilidade dos mandatos dos parlamentares, a qualquer momento;

4 – que defenda que, uma vez eleitos, os deputados e senadores permanecerão ganhando o mesmo salário que recebem em suas atividades profissionais. Caso o cidadão estiver desempregado, recebe uma ajuda de custo do poder público para exercer seu mandato;

5 – na eventualidade de se eleger, assuma o compromisso de utilizar a estrutura de seu gabinete, exclusivamente para retribuir em serviços àqueles (associações, sindicatos, clubes) que o elegeram;

6 – que assuma a responsabilidade de lutar incansavelmente pelo fortalecimento e ampliação do setor público/estatal da saúde e pela imediata suspensão de todos os subsídios estatais, diretos e indiretos, concedidos ao segmento privado da saúde.

Considero que não sejam compromissos simples de assumir, mas penso que é um bom começo.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista
Ex-Secretário de Saúde de Porto Alegre
Agosto de 2010.
Alguém viu um SUS por aí?

Para começar, qualquer cidadão de boa vontade, percebe que nesse país se pratica uma política deliberada para impedir a consolidação de um sistema público de saúde.

Firmou-se uma unanimidade em relação aos “verdadeiros” problemas da saúde e sobre sua solução. Todo o mundo já está cansado de saber: o sistema é sub-financiado e mal gerido. A solução, é óbvio, é colocar mais dinheiro e melhorar a gestão. Dê preferência colocar mais dinheiro, que o resto vem ao natural! É o que apregoam os “especialistas”.

Os defensores dessa tese, arautos das meias-verdades, esquecem-se de informar ao distinto público, o seguinte:

1 – Hoje, praticamente todo o sistema de saúde está privatizado. E não era isso que havia sido combinado. A proposta inicial, era que ele seria um sistema estatal, complementado pelo sistema privado, em situações muito particulares. Para ser mais específico, a saúde não deveria, sob qualquer hipótese, ser tratada como um produto, uma mercadoria. Ela é um bem social, público. Neste caso, não tem como compatibilizar saúde com negócios. Não tem meio SUS, como não tem “meio grávida”. Ou bem é um ou bem é outro! O resto é mistificação, conversa fiada, para enganar os bem intencionados.

Só para exemplificar: hoje, no Rio Grande do Sul, 84% dos leitos hospitalares disponíveis para o SUS, pertencem ao segmento privado da saúde. E os míseros 16% públicos restantes, sofrem uma pressão contínua e intensa para que terceirizem seus serviços, precarizem suas relações de trabalho, transformem-se em OSCIPS, ou em Fundações Estatais de Direito Privado (a nova vaca sagrada do governo Lula), tudo, menos que continuem públicos.

Para completar esse quadro, não nos esqueçamos das renuncias fiscais concedidas pela União. Estima-se que sua soma (Filantropia, Planos Privados, Imposto de Renda) chegue aos 10 bilhões de reais/ano. É isso mesmo 10 bilhões de reais.

Isso posto, ficam registradas aqui, duas modestas sugestões, com o intuito de contribuir com a qualificação do sistema (que deveria ser) público de saúde.

Primeiro, condicionar a aprovação da EC 29 ao uso exclusivo dos novos recursos por ela definidos, no fortalecimento e ampliação de serviços público/estatais de saúde;

Segundo, num prazo de 04 anos abolir as renúncias fiscais. Reduzindo 25% das renuncias por ano, acho que dá tempo para as pobres instituições privadas se adequarem às regras do mercado e pararem de mamar nas tetas do Estado.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista
Ex-Secretário de Saúde de Porto Alegre