sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Prezados amigos e amigas:

Estamos disponibilizando o link do vídeo com o debate de lançamento do livro do Vito Letizia em Porto Alegre.


http://youtu.be/vHrQ1QZbHMs




quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Internação Compulsória: uma prática higienista em marcha.

É muito pouco provável que aqueles que defendem a chamada “Internação Compulsória” para os usuários de drogas, crack em especial, como política pública, saibam, exatamente, do que estão falando. Alguns, bem intencionados, devem supor que diante do fracasso das políticas repressivas utilizadas pelo Estado, contra os traficantes de droga, quem sabe uma política repressiva contra os usuários acabe funcionando. Sinto muito ter que dizer, mas não vai funcionar. E não vai funcionar porque o problema do uso de drogas, não se restringe às políticas repressivas, sejam elas quais forem. Décadas de repressão, já deveriam ter servido de alerta. Existem evidências mais do que suficientes, mostrando que esse tipo de medida não tem qualquer significado positivo no tratamento dos pacientes usuários de droga, de novo, crack em especial. Caso alguém pense que está salvando vidas com esse tipo de medida, está totalmente equivocado. A internação compulsória é um retorno à idade média, em termos médicos. Primeiro, porque o problema do uso de drogas é um problema social. Não se resolve, como já disse, com políticas repressivas ou encarcerando os usuários. Uma sociedade como a nossa que não consegue resolver suas questões básicas e elementares, como ofertar um trabalho digno para a maioria da população, permitindo que ela tenha acesso a uma boa moradia, a uma educação decente, a uma saúde de qualidade, propiciando, enfim, uma vida minimamente digna, não vai, até porque não interessa a setores que se beneficiam dele, resolver o problema do tráfico de drogas.
Para a secretária adjunta da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), o discurso que circula sobre epidemia do crack não está de acordo com a realidade. “Há no imaginário popular a ideia equivocada de que o Brasil está tomado pelo crack, mas o que existe é o uso em pontos específicos que pode ser combatido com atendimento na rua, não com abordagem higienista, com o mero recolhimento de usuários.” Dados do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid) revelam que 12% dos paulistanos são dependentes de álcool e apenas 0,05% usa crack.
Com o objetivo de quantificar e identificar o Perfil dos usuários de Crack em Porto Alegre, em 2009, solicitei aos técnicos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, a apresentação de uma proposta de Projeto de definição do Perfil do Consumo e dos Consumidores de Crack em Porto Alegre. Lá se vão 03 longos anos e, até o momento, a Secretaria Estadual de Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, não conseguiram saber de que rubrica dos seus orçamentos podem sacar a fabulosa quantia de R$ 100 mil, para financiar essa pesquisa. Evidencia um profundo desrespeito com a sociedade porto alegrense, em particular, e com a sociedade gaúcha, em geral.
Estudos científicos mostram que a taxa de recaída dos cidadãos internados compulsoriamente, é de aproximadamente 98%. O que fazer, então. Primeiro, adotar um modelo de economia, que permita a ascensão social do conjunto da população. Sem as lorotas da “nova classe média” que representa, quando muito um deslocamento e melhoria de vida de um setor da população, sem mudança de classe social. Essa medida, por si só, contribuirá para uma redução drástica no número de jovens e adultos que hoje são usuários de droga. Um deslocamento social, para melhor, sem sombra de dúvida, modificará as relações de uma camada da população, hoje excluída de qualquer benefício, com o conjunto da sociedade.
Acredito que exigir a adoção de uma política econômica mais inclusiva, não seja pedir muito aos nossos governantes. Mesmo sabendo de suas imensas dificuldades em tomar medidas concretas em defesa do conjunto da população, considerando seus compromissos com as grandes corporações e os grandes conglomerados transnacionais que pensam, acima de tudo, em seus lucros e em suas vantagens, deixando o povo em plano secundaríssimo.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Novembro de 2012







sábado, 27 de outubro de 2012

Orçamento para a saúde 2013.

Dá para ver que o governo do Estado não leva a sério as decisões dos Tribunais de Contas e do Ministério Público de Contas. Ambos, de forma absolutamente clara definem que “não podem ser calculados como ações e/ou serviços de saúde pública” os recursos utilizados para pagar aposentados e pensionistas dessa área e muito menos, recursos utilizados para pagar a Assistência Médica do Instituto de Previdência do Estado (IPE) (R$ 391 milhões) ou do Hospital da Brigada Militar (R$ 23 milhões), pois são regimes fechados de assistência médica, não universais. O uso dessas rubricas no orçamento da Saúde, caracteriza uma burla à Lei Complementar 141/2012, que conceitua e explicita o que são Ações e Serviços Públicos de Saúde.
Nossos cumprimentos à Resolução da reunião plenária do Conselho Estadual de Saúde (CES/RS), de 25 do mês em curso, que, rejeitou o Orçamento apresentado pelo Governo do Estado, com os vícios citados no parágrafo anterior, mais o fato de não incluir os valores decorrentes de políticas de benefícios e incentivos fiscais que devem ser incluídos nesse cálculo, e no caso em pauta, não o foram. Como tampouco foram incluídos para a base de cálculo, os encargos especiais da SES/RS em Contribuição Patronal para o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) e complementação financeira ao RPPS/SES totalizando o valor de R$ 229 milhões.
Não consigo entender a lógica do Governo do Estado. O governador do Estado, há poucos dias declarou alto e bom som que o Estado aplicaria, em 2013, os 12% determinados pela Emenda 29 e regulamentados pela LC 141. Sem artifícios grosseiros que burlam as normas legais, pensei eu. Para nossa surpresa, e governo do Estado apresenta ao Conselho Estadual de Saúde, instância de controle social, uma proposta orçamentária, com as mesmas, velhas e conhecidas artimanhas, ficando muito distante dos percentuais mínimos previstos na Constituição Federal, na Estadual, na Emenda 29 e na Lei Complementar 141, que definem e tipificam o que são ações e serviços de saúde pública universais.
Mais uma vez, o governo do Estado perde a oportunidade de se apresentar perante a sociedade com uma proposta séria e bem fundamentada para uma área que a população reclama como uma das mais precárias e de maior dificuldade de acesso. A saúde ou é pública ou não é saúde.

Lucio Barcelos - Médico sanitarista - outubro de 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Promessas vazias!

Em meio a uma política desastrosa, de desmantelamento do Sistema Único de Saúde, o Prefeito recém reeleito, José Fortunati, fala em priorizar a saúde em seu próximo governo. Difícil de acreditar. Pois um governo que obriga e constrange os trabalhadores do Programa Saúde da Família a “pedirem demissão” do Instituto de Cardiologia, com o objetivo de desobrigar-se de pagar os direitos trabalhistas dos mesmos, numa vergonhosa venda casada como condição para aceitá-los como empregados do malfadado Instituto Municipal Estratégia Saúde da Família (IMESF), não parece merecedor de crédito para resolver os graves problemas da saúde do município.
Depois de quatro anos de ausência de qualquer política que permitisse vislumbrar uma melhora mínima nas condições de atendimento pelo SUS, o Prefeito promete “construir 05 Unidades de Pronto Atendimento”, reformar o Hospital de Pronto Socorro, e ampliar os leitos hospitalares. Medidas incorretas, supérfluas e, possivelmente, desorganizadoras de um real sistema público de saúde. Primeiro porque o problema do sistema de saúde de Porto Alegre não é a falta de leitos. Os leitos em nossa cidade são mais do que suficientes para a sua população (3,93 leitos SUS/1.000 habitantes - o preconizado pelo Ministério da Saúde é 2,5 leitos/1.000 habitantes). O problema real é a ausência de um processo de “REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE” para reduzir significativamente o percentual (que hoje é de 45%) de cidadãos de outros municípios que são obrigados a recorrer ao sistema da capital, para serem hospitalizados. Assim como não é de UNIDADES DE PRONTO ATENDIMENTOI, que não passam de um arremedo de solução para o fato de não termos um sistema de saúde estruturado desde sua base. Em relação ao Hospital de Pronto Socorro, o principal é o município decidir CONSTRUIR UM NOVO HOSPITAL DE PRONTO SOCORRO NA ZONA SUL DA CAPITAL. Basta planejar e governar para defender os interesses da população e não dos “empreendedores” da capital. Em relação ao Hospital da Restinga, é bom que se esclareça que ele está sendo construído com recursos públicos provenientes de isenção de tributos, em terreno cedido pela prefeitura para o “pobre” Hospital Moinhos de Vento, em mais uma política equivocada.
Melhor seria se ele afirmasse que incentivaria a atenção básica, que incentivaria a construção de uma industria de medicamentos e equipamentos, que faria, imediatamente concursos públicos para todas as áreas da saúde e que pagaria um salário digno para os funcionários.
Então ficamos assim. O Prefeito faz de conta que vai priorizar a saúde, criando meia dúzia de UPAS e abrindo alguns leitos hospitalares e a população continua sofrendo nas filas em busca de atendimento. Do mais simples ao mais complexo. O prefeito foi eleito com mais de 65% dos votos. Fazer o que? Pode ser que, no meio do caminho, a população decida se mobilizar obrigando a prefeitura a fazer algo realmente efetivo para melhorar o acesso à uma saúde de qualidade em nossa cidade. Estamos prontos a contribuir para que isso ocorra.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista - Outubro de 2012

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Queridos amigos e amigas,

Em primeiro lugar, quero agradecer, de uma forma muito especial, os votos que me foram confiados. São votos que representam a defesa de um projeto que propõe a construção de um sistema público de saúde, estruturado e executado diretamente pelo Estado, sem a interveniência de terceiros. É um projeto que defende, para além da assistência médica, uma visão de promoção e prevenção da saúde coletiva. Assim como aposta na necessidade de construção de uma indústria estatal de medicamentos e equipamentos. Em resumo, como dizemos há muitos anos, a saúde é um direito inalienável dos cidadãos e o Estado tem a obrigação de ofertá-la, com qualidade e dignamente.
Todavia, é importante dizer, passado o período eleitoral, e sem adentrar no campo da lamentação, que a nossa campanha, assim como todas em que colocamos nosso nome no pleito, foi pautada no mais alto nível, na conquista do voto consciente, sem valer-se de elementos que, infelizmente, são largamente utilizados, como financiamento de campanha mediante posterior defesa dos interesses privados do doador – deixando em segundo plano o interesse público –, uso da máquina partidária em favor de meia dúzia, troca de votos por dinheiro e/ou favores, etc. Os partidos políticos e os candidatos, em sua imensa maioria, contribuem para dar ao processo eleitoral uma conotação mercantil, na qual o voto transmuta-se em mais um produto à venda no mercado. Nós, em nenhum momento aceitamos - e jamais aceitaremos - essa lógica, ainda que a consequência desta postura (certamente vista pela maioria como ingenuidade) seja o insucesso eleitoral.
Vamos continuar nossa luta por um projeto de saúde pública como sempre fizemos em nossa trajetória política, nas frentes onde for possível. O mais importante é que os trabalhadores e os usuários do Sistema Único de Saúde mobilizem-se para arrancar conquistas dos governos. Nossa tarefa é contribuir para sua organização e luta, e assim seguiremos fazendo.
Um grande abraço a todos.
Lucio Barcelos -

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Atividade parlamentar

Lucio Barcelos assumiu novamente a tribuna da Câmara de Vereadores, nesta quinta-feira 04.10.2012, utilizando o tempo de liderança para cobrar das secretarias estadual e municipal de saúde a realização de pesquisa sobre os usuários de crack em Porto Alegre, a fim de obter dados imprescindíveis para um efetivo combate ao avanço deste problema.

"DROGAS – Lúcio Barcelos (PSOL) lembrou que, em 2009, foi encaminhado às secretarias estadual e municipal de Saúde proposta para a realização de pesquisa sobre quem são e onde estão os usuários de crack de Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. “Precisamos saber desses dados para adotar medidas de modo a conter o avanço deste problema grave”, disse. O vereador afirmou que muito se fala no avanço do crack, mas lamentou a falta de dados sobre o que considerou ser uma epidemia. Barcelos lembrou ainda que a pesquisa seria realizada pelo Instituto de Observação Social da Ufrgs e lamentou que ainda não tenha sido iniciada."

Fonte: site da Câmara Municipal de Porto Alegre.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Vereador Lucio Barcelos cobra explicações

Na sessão ordinária do dia 01.10.2012, o vereador Lucio Barcelos expôs denúncias de funcionários do Programa de Saúde da Família (PSF) da Capital, relativamente a fraudes em rescisões de contratos de trabalho. Da página da Câmara de Vereadores de Porto Alegre:

"DENÚNCIA - Lúcio Barcelos (PSOL) contou ao Plenário as denúncias que recebeu de funcionários do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre que estariam sendo forçados a pedir demissão do Instituto de Cardiologia (IC). O motivo, segundo o vereador, seria para que os servidores tivessem assim direito de serem contratados pelo novo Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf). De acordo com Barcelos, se isso estiver ocorrendo de fato, é a maior subversão de um direito básico do trabalhador. "Isso é muito grave, esse procedimento implica retirar um direito elementar dos trabalhadores", frisou, ao cobrar explicações da prefeitura sobre as denúncias. (ES)"

Na próxima quarta-feira Lucio irá protocolar pedido de informações à Prefeitura quanto aos fatos relatados.

domingo, 23 de setembro de 2012

A saúde, mais uma vez.

Capa da Zero Hora dominical, matéria publicada pelo jornalista Humberto Trezzi, evidencia, mais uma vez, os desvios, falcatruas e erros cometidos contra o Sistema Único de Saúde, lesando-o (isto é, lesando a população) em R$ 753 milhões de reais, em tres anos. Essa é a parte visível dos desvios praticados, uma vez que representa uma amostra de 10% das auditorias realizadas nos serviços prestados pelos “contratados, conveniados” pelo SUS.
Na verdade, salvo a quantificação, não existe nenhuma novidade no relato do jornalista. O sistema capitalista, em franco processo de crise e decomposição, vive cada vez de forma mais intensa e generalizada, da expropriação do setor público. Todos nós estamos cansados de saber que o setor privado, para cumprir sua necessidade de lucros cada vez maiores, com custos cada vez menores, rouba, desvia, recebe benefícios e subsídios do setor público, como nunca antes aconteceu neste país. Na área da saúde, além das falcatruas costumeiras, temos a instituição oficial das chamadas “filantropias” que não passam de subsídios e redução de custos para o setor privado, que de uma forma desavergonhada, mascara e maquia suas contabilidades e orçamentos, para arrancar mais do poder público.
O correto a fazer, seria a extinção da figura da filantropia. O setor privado que quizer se estabelecer no setor da saúde, que se estabeleça com seus próprios recursos, sem um único centavo público. Assim, acabaríamos com a dependência fraudulenta do setor privado em relação ao setor público. Em nosso Estado, 72% dos recursos públicos para pagamento de internações hospitalares vão para o setor privado. Caso houvesse um governo digno e que defendesse os interesses da população, uma medida urgente seria a desapropriação, tendo em vista o interesse público, de todos os serviços ditos “filantrópicos” e dos serviços de meios diagnósticos e terapêuticos. Constituir-se-ia no início de uma caminhada para retirar o Sistema Público de Saúde da “ilegalidade constitucional”. Afinal, a Constituição Federal prevê que o sistema Único de Saúde é um direito da população, diretamente exercido pelo Estado e “complementado”,segundo as diretrizes do SUS, pelo setor privado.
 Lucio Barcelos- médico sanitarista
Setembro 2012

domingo, 9 de setembro de 2012

Superlotação das Emergências: um sinal evidente do desmonte do SUS.

Em agosto de 2010, abordei esse assunto, pela primeira vez, em artigo postado em meu Blog. O acesso aos serviços de saúde, principalmente as emergências, tem piorado gradativamente. E não se vislumbra nenhuma política governamental que aponte para uma melhora dessa situação. Existem medidas pontuais - p.ex. construção de Unidades de Pronto Atendimento - (UPAs), ou promessas de abertura de novos leitos hospitalares, que ficam a milhares de quilômetros de distância dos problemas reais e estruturais do sistema público de saúde. Estamos falando, mais uma vez, nas políticas de privatização do sistema de atenção à saúde. A tônica é dada pelo sistemático desmonte das políticas públicas de saúde, aí incluídos sua baixa cobertura populacional, os salários indignos, a insuficiência de pessoal, a evasão de especialistas das áreas médicas, a insuficiência de equipamentos e/ou sua qualidade duvidosa, e, finalmente, a decisão governamental de não construir um parque industrial de medicamentos, insumos e equipamentos.

Volto a insistir, trata-se de uma opção política. A política do governo Dilma, assim como foi no governo Lula é a de privatizar a saúde, a educação, o saneamento, a água, o meio ambiente, e, se possível, a vida de todos nós. É um jogo jogado. Nestas condições, o Estado cumpre o vergonhoso e exclusivo papel de facilitador dos negócios dos grandes, médios e pequenos “empreendedores”. A imensa maioria da população, fica à margem ou é “beneficiada” com políticas que levam ao seu endividamento ou ao recebimento das migalhas, traduzidas na concessão de “bolsas” as mais variadas. Emprego e salários dignos, nem pensar. Falta dinheiro? Acho que não. A soma da arrecadação de impostos pela União, Estados e Municípios já chega a R$ 1 trilhão e 037 bilhões. Desse total, a União arrecadou 738 bilhões e 712 milhões (71% do total). No Rio Grande do Sul já foram arrecadados 18 bilhões e 638 milhões e em Porto Alegre R$ 02 bilhões e 757 milhões. Confrontando esses números, dá para afirmar, sem medo de errar, que o que falta é vergonha na cara de nossos governantes, que governam para o capital e sangram a imensa maioria da população.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista -
Julho de 2012.

domingo, 26 de agosto de 2012

Breves comentários a respeito da matéria “Fila nos Postos - O drama da espera por um especialista” publicada na ZH do dia 26/08/2012 (domingo).


Na matéria em questão os entrevistados são os candidatos ao cargo de Prefeito de Porto Alegre e as perguntas são as seguintes: “O que o senhor faria para reduzir as filas nos postos de saúde da capital?” e “o que será feito para diminuir o tempo de espera para consultas, exames e cirurgias especializados, pelo Sistema Único de Saúde?”.

O que chama a atenção, em primeiro lugar, é que nenhum dos candidatos, da esquerda para a direita ou vice-versa, toca no elemento essencial do problema que afeta o SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, qual seja: a saúde é um direito dos cidadãos e como tal deve ser tratada. Cabe ao Estado prover saúde, assim como educação e saneamento, para o conjunto da população, sem intermediários de qualquer espécie, privados ou não.

A Constituição Federal é clara nesse aspecto: O sistema de saúde é público e complementarmente privado. Então, se trata de mudar o modelo de sistema que existe na nossa realidade. Hoje, 70% do sistema de assistência à saúde brasileiro é privado. No Rio Grande do Sul 86% dos leitos hospitalares são privados. Com o agravante de que o sistema público, via de regra, trabalha a favor do sistema privado e de que o sistema privado vive às custas de subsídios, os mais variados, fornecidos pelo setor público. O Estado brasileiro não possui - porque não é do interesse dos grandes grupos transnacionais - nenhum laboratório público de produção de medicamentos e muito menos de fabricação de equipamentos para a área da saúde. O ensino, da mesma forma, está voltado para o mercado e não para resolver os problemas evidenciados pelo perfil epidemiológico da população. A realização de concursos públicos é uma exceção. A contratação de pessoal se dá, em sua imensa maioria, por entes privados (Fundações, OSCIPS, OS, etc). Em Porto Alegre, 100% dos postos da Estratégia Saúde da Família são terceirizados. É admissível uma coisa dessas na área de atenção básica? Obviamente não, mas ninguém diz nada.

No varejo, todos os candidatos apresentam propostas semelhantes. A chamada esquerda, dando um tom um pouco mais “desprivatizante” e de uso do recurso público de uma forma mais efetiva. As soluções propostas não questionam a estrutura ou o modelo de sistema existente, e as soluções ficam no terreno de alternativas “gerenciais”. Melhorar a gestão, informatizar, ampliar a atenção básica, aplicar mais recursos financeiros, etc., etc., etc.

Em verdade, ou nós transformamos o sistema atual através de uma ampla mobilização social, fazendo-o um sistema efetivamente público, sem qualquer interferência privada, com um financiamento decente, com concursos públicos e salários dignos, ou vamos continuar por mais algumas décadas falando, de mudanças gerenciais, muito necessárias, mas que não alteram a “alma” – e, consequentemente, não eliminam os problemas – do sistema. Ele pode até ficar um pouco melhor (o que duvido muito), mas continuará servindo ao mesmo patrão: os interesses privados e não os interesses da população.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Agosto de 2012



quarta-feira, 27 de junho de 2012

Pela Revisão da Lei da Anistia Já!

Acho que já ultrapassamos todos os limites quando se trata de decidir sobre o julgamento e a punição dos agentes torturadores no período da ditadura. O governo federal e, em sua esteira, praticamente todos os envolvidos nesse processo, aparentemente padecem de algum tipo de enfermidade psiquiátrica, que os impede de agir de uma forma minimamente coerente. Já fiz essa pergunta em outra oportunidade, e a reitero: o que teme o Governo? De quem tem medo? O que impede que seja encaminhada ao Congresso Nacional uma LEI que REVOGUE os dispositivos vigentes da atual Lei da Anistia, votada por imposição dos militares golpistas, que protegem os torturadores. Depois da aliança Lula/Maluf, creio que não é necessário perguntar duas vezes. Há quem defenda que, “como decorrência natural” das investigações e ações da Comissão da Verdade, surgirá espontaneamente um movimento da sociedade exigindo a revisão da Lei da Anistia. Não sei, não. Pode ser que sim. E pode ser que não. Pode acontecer de a Comissão da Verdade ficar paralisada, porque os militares e os torturadores continuam impunes. Entre o certo e o duvidoso, acho mais garantido que se inicie JÁ uma batalha pela Revisão da Lei da Anistia. Acho que teremos um final mais feliz.
Para demonstrar a necessidade de imediata revisão da lei, um recente episódio é suficiente. Uma aberração chamada Claudio Antônio Guerra, torturador do DOPS, declarou, em um programa de televisão (Observatório da Imprensa, da TV Brasil), ao jornalista Alberto Dines que ele, sozinho, matou mais de 100 militantes de esquerda. Não é possível aceitar essa situação, que fique tudo por isso mesmo. O torturador, ou “matador” como ele se autodenomina, está protegido pela Lei da Anistia. E a Comissão da Verdade vai ouvi-lo, e ele vai sair em liberdade, como se fosse a coisa mais natural do mundo. O delegado Cláudio, está arrependido. Hoje declara-se um “servo de Deus”. Para o meu gosto ele deveria permanecer na prisão até o final dos tempos. Quem assassinou 100, ou mais de 100 pessoas, não importa quem fossem, não merece nenhum tipo de perdão. Deve ser julgado, condenado, e cumprir pena máxima.
Também é importante lembrar que se criou, em torno da Lei da Anistia, propalada desde a sua edição como “ampla, geral e irrestrita”, o falso consenso de que ela é recíproca, anistiando agentes do Estado torturadores e aqueles militantes que cometeram crimes (em grande parte o crime de se articular política e pacificamente contra a ditadura) durante o regime de exceção. Ocorre que não é assim. A anistia é restrita e protege apenas um lado, uma vez que os militantes acusados de crimes foram processados, julgados e cumpriram penas – quando não a sumária e covarde pena de morte imposta pelo terror do Estado –, enquanto os militares, como Claudio Guerra, nada, em momento algum, responderam civil ou criminalmente pelos seus assassinatos e torturas. Por isso se impõe, urgentemente, que se instaure um movimento pela REVISÃO DA LEI DA ANISTIA, inclusive para que não fiquemos em situação de retrocesso em relação a outros países latino-americanos que estão julgando os torturadores, como é o caso da Argentina.
Para encerrar: causa um certo mal estar ver essa movimentação toda, pela verdade, pela justiça e pela memória, sendo, em parte, utilizada de uma forma oportunista e inconsequente. Dá para melhorar. Que tal iniciar um movimento PELA REVISÃO DA LEI DA ANISTIA JÁ?

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Junho de 2012

terça-feira, 29 de maio de 2012

A Comissão da Verdade e a Revisão da Lei da Anistia.

 Estou de acordo com a Presidente Dilma. A Comissão da Verdade não deve ser movida nem pelo ódio e muito menos pelo revanchismo. Deve, sim, ser pautada pela Justiça e pela Verdade. Isto implica, necessária e inapelavelmente, à imediata REVISÂO da Lei da Anistia. Assim como está, ela concede “anistia” aos agentes do Estado que usaram e abusaram de métodos de tortura, assassinato, e, pelo que hoje se sabe, a incineração de corpos de jovens e trabalhadores que lutaram contra aquele regime ditatorial.
Poucos serão os avanços a serem alcançados pala Comissão da Verdade, recém instalada pela Presidente, caso permaneça o véu de proteção aos torturadores. A começar pelo fato - mais importante - de que dita Comissão vai “esclarecer” e buscar conhecer os locais e qual destino os agentes da ditadura deram aos presos políticos “desaparecidos”. Ótimo. A sociedade brasileira e os familiares desses presos desaparecidos anseiam por essa informação há décadas. Conhecê-los será um acerto de contas com a história. O problema é que os torturadores e seus mandantes, caso permaneçam sob o manto desta “anistia”, certamente não irão oferecer qualquer colaboração para esclarecer as circunstâncias em que se deram tais fatos.
 Não existe nenhum argumento plausível que justifique a não revisão da Lei da Anistia. Juntos, os governos Lula e Dilma – de mesma política – somam mais de uma década, o que parece não ter sido tempo suficiente para que o Executivo propusesse novo Projeto de Lei a fim de rever e permitir o adequado e necessário julgamento dos torturadores. Qual o motivo? Necessário questionar, nesse momento, àqueles que defendem que esse – a Comissão da Verdade – é o avanço possível, quais são os seus argumentos? Com que autoridade afirmam que não se pode, agora, revisar a Lei da Anistia?
Os torturados (grupo no qual me incluo, na condição de ex-preso político em duas ocasiões, na Ilha do Presídio e no Presídio Central, onde sofri tortura), ao contrário dos torturadores, foram julgados pelos Tribunais Militares, condenados e cumpriram penas, afora os centenas de “desaparecidos” e que certamente foram assassinados e jogados em alguma vala comum, incinerados ou jogados ao mar. Em nome da justiça e da verdade, o mínimo que se espera é que os torturadores venham a público e sejam julgados pelos tribunais de justiça de nosso país. Não precisa tribunal especial, até porque tribunais de exceção, hoje, são vedados constitucionalmente. Basta que se faça justiça.
Como bem diz a Presidente Dilma, não queremos revanchismo e nem nos movemos pelo ódio. Queremos justiça. Que os torturadores, enfrentem os tribunais, sejam julgados pelos crimes de lesa-humanidade que cometeram. O Brasil não pode continuar sendo o único país da América Latina que acoberta seus torturadores. Já é passada a hora de fazer essa gente, se podemos chamá-los de “gente”, aparecer à luz do dia para responder pelos seus crimes junto à sociedade brasileira.
Lucio Barcelos - Médico Sanitarista Maio de 2012.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

04 de maio de 2012 | ARTIGOS

Uso privado do espaço público, por Lucio Barcelos*

 As dificuldades encontradas pelos beneficiários dos planos privados de saúde, abordados em reportagens recentes da ZH, são incomensuravelmente menores e menos aviltantes do que aquelas enfrentadas pela população que depende exclusivamente do sistema público de saúde para sua assistência. Algumas horas em um serviço de emergência e dois ou três meses para conseguir acesso a um serviço eletivo (em alguns planos), são insignificantes diante dos quatro, cinco ou até seis anos para ter acesso a uma consulta especializada ou “alguns” dias para obter acesso a um serviço de emergência.

O que é grave, em se tratando de planos privados, nos quais o acesso é restrito àqueles que desembolsam dinheiro próprio para receberem o atendimento, é que, como todos sabem, uma boa proporção dos serviços que deveriam ser ofertados pelos planos não o são e os seus beneficiários são atendidos nos serviços públicos (hospitais, laboratórios ou unidades básicas). E, como também é público e notório, os planos recusam-se, via judicial, a ressarcir o setor público pelos serviços prestados aos seus beneficiários. Mesmo que exista uma lei (9.656/98) regulamentando o ressarcimento. Que já foi muito melhor, porque obrigava o ressarcimento de todos os serviços (da urgência ao eletivo) e hoje, depois de o Estado ceder, vergonhosamente, obriga o ressarcimento apenas de procedimentos eletivos. Vale aqui o mesmo princípio que orienta o setor privado em todos os lugares. Lucros máximos com custos mínimos. Não é por acaso que ainda persiste a situação de utilização, pelos planos privados, de 120 leitos do Hospital de Clínicas. Ali, os planos são subsidiados pelo setor público. Em outras palavras, os valores pagos pelos planos não cobrem os custos despendidos pelo hospital.

No Rio Grande do Sul, são 478 planos privados, capitaneados pelo sistema Unimed, que possui 1.248.224 associados (entre planos individuais, familiares e empresariais), o que representa 48,87% dos 2.554.100 associados de planos existentes no Estado. Como acontece em praticamente todos os setores deste Brasil varonil, a iniciativa privada, incapaz de sobreviver às custas próprias, vale-se, cada vez mais, de benefícios estendidos pelo Estado, em forma de isenções, anistias, incentivos de tributos em geral. Em termos populares, vive mamando nas fartas tetas do Estado. Como os jornalistas da própria ZH já informaram, houve um aumento substancial de associados que não foi acompanhado pela construção de novos serviços próprios para atender a essa demanda. Aliás, a fuga para os planos, além de uma possível melhora do nível de vida de um setor da população, deve-se ao fato de o SUS estar à beira da falência, com o exato propósito de contribuir com essa operação. Agregue-se que hoje existem planos e “planos”. Basta dar uma volta pelo centro da cidade, que você é cercado pelos vendedores de planos de saúde ao custo de módicos R$ 50 mensais. Dá para imaginar o que um plano de R$ 50 pode oferecer ao seu cliente. Quem paga a conta, para variar, é a população pobre deste país, posto que todo e qualquer tributo que tenha que ser pago pelos “empreendedores” será, inevitavelmente, embutido no custo final dos produtos ou serviços que eles ofertam para a população.

*MÉDICO SANITARISTA 

sábado, 7 de abril de 2012

Mortes silenciosas, governo omisso.


Retomo os problemas vividos pelos moradores do Hospital Psiquiátrico São Pedro, porque o Governo de nosso Estado , passados 07 meses de minha exoneração do cargo de Diretor geral daquela instituição, mantêm sua postura de omissão e desrespeito com os Direitos Humanos mais elementares.
Em 12 de agosto de 2011, motivado pelas constantes negativas do governo em melhorar as condições em que vivem aqueles pacientes, solicitei minha saída da direção do hospital. Na época, ingressei com uma Representação junto ao Ministério Público Estadual, solicitando que o mesmo interviesse, constrangendo o governo a tomar as atitudes necessárias para resolver os problemas básico que denunciei .
Passados sete meses, não tendo o governo tomado nenhuma atitude, chego a conclusão que, infelizmente, o que fiz, foi muito pouco.
Nesse período, morreram 24 pacientes, - uma média de 04 por mês -, agravando a situação anterior.
Há poucos dias atrás, em um programa da TVCOM, a Coordenadora do Departamento de Atenção à Saúde (DAS), declarou que “a Secretaria da Saúde do Estado vai proceder os trâmites necessários para licitar as reformas necessárias no Hospital”. É inacreditável. Numa situação como essa, onde os pacientes (homens e mulheres, idosos em sua maioria), morrem por doenças evitáveis, isto é, morrem por negligência do gestor público, por ausência de cuidados, ou por ausência de assistência médica, o órgão público, por mais desastroso que seja, pode, sem risco algum, dispensar o processo licitatório e contratar os serviços necessários em regime de urgência.
Não é possível ficar em silêncio, assistindo a essa situação grotesca, onde cidadãos, sob a guarda do Estado morrem por doenças respiratórias, evitáveis, e o Governo, demonstrando a mais absoluta insensibilidade, se faz de cego, surdo e mudo. Com o agravante da ocupação das áreas mais confortáveis e seguras do hospital, por cargos comissionados administrativos.
Custo a crer que os altos escalões do Estado tenham ciência disso. E que os quadros de direção central da Secretaria da Saúde do Estado, compactuem com uma situação de evidente desrespeito com a vida humana, em nome de uma “política” ditada pela Reforma Psiquiátrica, de esvaziamento dos hospitais psiquiátricos. Esvaziar, criando formas substitutivas como os Residenciais Terapêuticos e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), está correto. Agora, esvaziar os manicômios, ao custo da aceleração dos óbitos, da negligência e da omissão com os cuidados elementares que os doente mentais necessitam, não. Constituí-se em um profundo desrespeito com a vida humana.
Medidas legais ou uma nova Representação junto ao Ministério Público Estadual, ou ambas, urgem, para obrigar o Estado a assumir suas responsabilidades elementares. É o que faremos.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Abril de 2012
Tudo como Dantes...

A Deputada Federal Manuela D’Ávila, em artigo publicado na dição da ZH do dia 07 de abril,repete a velha, surrada e equivocada fórmula de que a responsabilidade pelos graves e crônicos problemas da saúde são “ a falta de recursos e de gestão de recursos”. E como a Deputada não pretende lutar para colocar mais recursos na saúde, para ela, “quando os recursos são insuficientes, é preciso uma gestão criativa”. Eureka!! Finalmente, alguém pensou em uma alternativa poderosa “uma gestão criativa”. Deve ser algo como quando você vai fazer uma receita tradicional de uma refeição qualquer, acrescentar algo novo e inesperado. Só que na saúde não funciona assim.
Primeiro, porque, os problemas da saúde pública não se reduzem à má gestão e a insuficência de recursos financeiros. É um tanto mais complexo.
O problema real, e não é por acaso que praticamente ninguém aborde a questão por esse prisma, é que a área da saúde está entregue aos interesses de grupos privados. Contrariando a Constituição Federal, os serviços privados de saúde são majoritários em relação aos públicos. E a Constituição diz que eles deveriam ser “complementares” ao SUS. Além disso, como é sabido, a saúde pública sofre, há muitos anos, um processo de privatização, que vai desde a Atenção Básica até serviços mais complexos (as malfadadas Fundações Privadas, OSCIPS, Empresa de Serviços Hospitalares, etc.). Para reforçar e acelerar esse processo de privatização, existe um déficit enorme de profissionais no setor público e aqueles que labutam na área são mal pagos. Os serviços públicos estão abandonados ou semi-abandonados e, salvo raras exceções, sofrem de falta de equipamentos e quando os tem são equipamentos que muitas vezes não funcionam por falta de serviços de manutenção. Sobre distribuição de medicamentos, é bom nem falar. Mesmo os medicamentos de uso continuado, os mais comuns, como os anti-hipertensivos, antibióticos, anti-diabéticos ou medicamentos para doenças mentais, via de regra estão em falta nas unidades de saúde.
Será que dá para colocar a responsabilidade por esse quadro de penúria na “má gestão”? Ou na ausência de uma “gestão criativa”, já que, pelo que se depreende, recursos financeiros não existem. Afinal, o governo federal tem que pagar os mais altos juros do mundo para os especuladores que se alimentam dos juros da dívida do país. Ou tem que transferir recursos do BNDES para as grandes empreiteiras construírem os mega-estádios para a Copa de 2014, onde todos, alcoolizados, sairão felizes, plenamente convictos de que suas saúdes estão em perfeitas condições.
Tenho plena convicção de que os problemas da saúde só serão resolvidos quando tratarmos de transformar o sistema de saúde privado e o sistema público privatizado, em um verdadeiro Sistema Público de Saúde, como determina nossa Constituição Federal. É verdade que para isso, precisaremos de um governo que priorize os direitos fundamental dos cidadãos como saúde, educação e moradias e não o de alguns grupos empresariais, interessados, prioritariamente em sues gloriosos lucros.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Abril de 2012

sexta-feira, 23 de março de 2012

Porto Alegre: A saúde em números

Tenho insistido na tese de que o problema central da crescente desassistência na área da saúde, que afeta a ampla maioria da população, não se deve ao chamado desfinanciamento e/ou a má gestão do sistema. Esses dois fenômenos, se podemos chamá-los assim, são resultantes de uma política deliberada de privatização do modelo de saúde atualmente existente. São conseqüências de uma política determinada e não sua causa. O processo acelerado de privatização da saúde, exige que o setor público apareça, aos olhos do grande público, como um sistema falido, com trabalhadores mal remunerados e pouco capacitados, com deficiência ou ausência de equipamentos de boa qualidade, com falta ou insuficiência de medicamentos de uso continuado, e com espera de meses ou anos para conseguir uma consulta ou um exame especializados ou, ainda, uma internação em área médica especializada.


Os números da estrutura do sistema de saúde de Porto Alegre, que apresentamos a seguir, falam por si mesmos:


Existem, em nossa capital, 2.464 estabelecimentos de saúde. Deste total, 204 (8,28%) são públicos (municipais, estaduais ou federais) e 2.234 (92,72 %) são privados (filantrópicos ou não filantrópicos).


Em relação a alguns tipos de equipamentos selecionados temos o seguinte:


Em Porto Alegre, temos 56 mamógrafos em uso e 18 (32,10%) deles estão disponíveis para o SUS; existem 190 aparelhos de ultrassom em uso. Desses 190, apenas 44 (23,15%) estão disponíveis para o SUS; são 403 aparelhos de Raio X em uso, e 97 (24,10%) estão disponíveis para o SUS; são 22 aparelhos de Ressonância Magnética em uso e apenas 10 (45,45%) disponíveis para o SUS; da mesma forma, são 39 Tomografias computadorizadas em uso e 16 ( 41%) disponíveis para o SUS. Por fim, existem 886 Equipos Odontológicos Completos em uso e a ridícula quantia de 89 (10,05%) a disposição do SUS.



O total de leitos hospitalares, somados os de internação e os complementares (leitos de UTI) é de 8.621. Os leitos públicos são 3.621. Deste total 3.313 são para atendimentos SUS. Os leitos privados totalizam 5.002. Destes, 2.560 estão disponíveis para o SUS. Assim, temos 5.873 leitos disponíveis para o SUS. Considerando o parâmetro da Organização Mundial da Saúde, de 2,5 leitos por 1.000 habitantes, os leitos existentes em Porto Alegre seriam suficientes, se fossem utilizados somente pela população do município. No entanto, mais de 40% das internações que ocorrem na capital, são de paciente oriundo de municípios do interior do Estado ou da região metropolitana de Porto Alegre. Dessa forma, os leitos existentes, atendem uma população que se poderia estimar em 3,5 a 4 milhões de habitantes, o que torna insuficiente o número de leitos disponíveis. Os dados apresentados são de dezembro de 2009, pelo DATASUS.


Considerando que a produção de medicamentos, insumos e equipamentos para a área da saúde em Porto Alegre e no RS é cem por cento privada, e que não existe nenhuma sinalização de que algo vá mudar no próximo período, a não ser que ocorra uma grande e imprevisível mobilização popular, ficamos, por ora, com um setor público cuja razão maior de existir é beneficiar o setor privado, e fazer de conta que gerencia um setor falimentar.


Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Março de 2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

IDSUS: uma montagem pseudo-científica.


Não bastassem os graves, crônicos e aparentemente insuperáveis problemas de modelo, acesso, qualidade e gestão do Sistema Único de Saúde, acabamos de receber do governo federal um Índice de Desempenho do SUS, que, não só não ajuda os gestores, como prejudica municípios que, historicamente tem investido na construção do SUS.


O governo do Estado do RS, antes de gastar o dinheiro da população com propaganda enganosa, de página inteira, deveria consultar sua área técnica (seus epidemiologistas), para saber o quanto vale um índice construído com indicadores completamente independentes, que não tem relação entre si e que, do ponto de vista epidemiológico, não tem qualquer valor.

De acordo com o Dr. José Noronha, diretor do CEBES (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde) e médico do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz) “parte da tecnocracia do Ministério da Saúde acaba de brindar a sociedade brasileira com um disparate metodológico a título de atender a fome do chamado “ranqueamento” que freqüenta com avidez uma parte da grande mídia brasileira”. O IDSUS, presta na verdade um desserviço ao SUS e aos bons gestores. Ainda, de acordo com Noronha, “A proposta central é de que a saúde é multidimensional e deve ser avaliada matricialmente e não somando variáveis de dimensões diferentes (como faz o IDSUS) para chegar a um índice único. O IDSUS soma mortalidade infantil com acesso, com taxa de cesarianas, freqüência de consultas pré-natais com cobertura nominal de PSF e mais outros tantos para chegar ao tal indicador Único e classificar estados e municípios”. Deu no que deu. O RS e Porto Alegre, terceiro e quarto colocados, na classificação do IDSUS, possuem sistemas de saúde, abaixo da crítica. O governador do Estado e seu Secretário da Saúde, deveriam visitar as filas de pacientes, na madrugada, ou ficar 4,5, até uma semana, sentados em cadeiras desconfortáveis, nas emergências do Clínicas ou do Conceição, para depois gastar o dinheiro do distinto público, com publicidade questionável. Que, na verdade, não engana ninguém que use o sistema. Melhor ainda, o governador deveria ir a uma unidade básica e solicitar a um clínico, um exame especializado ou uma internação em um hospital público ou conveniado. Ele teria uma noção do tempo interminável e ofensivo de espera para conseguir um ou outro daqueles procedimentos. Sem falar que ele teria que passar pelo inferno que são as famosas “duplas portas”, dos hospitais, com a honrosa exceção do Grupo Conceição.

É importante salientar que o IDSUS, entre outras coisas, não mede o tempo de espera nas filas e tampouco a distancia que os pacientes percorrem para ter acesso aos serviços. Mais ainda, a composição do tal indicador único, para reforçar sua inutilidade, não leva em consideração o fato de que uma parcela da população (25%) utiliza planos privados de saúde. E que nos estados do sul e do sudeste, essa proporção da população deve ser maior.

Fica a sugestão ao governo do Estado, para que ele encomende uma pesquisa, ouvindo diretamente a população que utiliza o Sistema Único de Saúde, para saber sua opinião sobre o acesso e a qualidade dos serviços que lhe são ofertados.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Março de 2012

domingo, 19 de fevereiro de 2012

19 de fevereiro de 2012 ARTIGOS - ZH

O governo Dilma faz mal à saúde, por Lucio Barcelos*


Primeiro, foi o veto da presidente Dilma aos 10% das receitas tributárias brutas da União para a saúde, quando da votação da Emenda 29. Agora, na previsão de um corte de R$ 55 bilhões do orçamento da União, o ministério mais atingido, por inacreditável que possa parecer, é o da saúde. Ele perde um pouco mais de R$ 5 bilhões. O orçamento previsto para o setor, que antes do corte era de R$ 77,580 bilhões, já era absolutamente insuficiente. Agora, então, nem falar. Ademais, fica difícil quantificar qual o orçamento realmente necessário para estruturar um sistema de saúde que atenda às necessidades da população, uma vez que o sistema em funcionamento está subordinado aos interesses privados e o acesso à saúde fica determinado pelo poder aquisitivo dos cidadãos.

Assim, pode-se dizer qualquer coisa do governo Dilma, menos que ele tenha como uma de suas políticas priorizar a saúde da população. É difícil entender um governo que se postula de “esquerda” praticar cortes orçamentários que prejudiquem uma população que já vive em más condições de vida. E fazer isso com o objetivo de preservar e reservar dinheiro para priorizar o pagamento dos juros da dívida, para grandes especuladores (bancos, fundos de pensão, grupos de investimento etc.).

A situação de desmonte, ou caos como querem alguns, do sistema é a mesma do norte ao sul do país. É mais ou menos grave, dependendo, em grande parte, do potencial econômico dos municípios. O quadro, que já denunciamos inúmeras vezes, resume-se ao seguinte: insuficiência de trabalhadores, trabalhadores mal pagos e com capacitação insuficiente, áreas físicas dos serviços deterioradas, ausência de equipamentos básicos ou existência de equipamentos de baixa qualidade, o mesmo repete-se em relação aos medicamentos e demais insumos. Isso, dentro de um sistema prioritariamente privado, do qual o governo compra serviços.

Para a população, os problemas, também já fartamente conhecidos, referem-se à espera angustiante por uma consulta médica, por um exame complementar, por uma internação ou por conseguir acesso aos medicamentos necessários. São meses, quando não anos de espera.

A perspectiva de melhorar esse quadro, reduzir os tempos de espera, organizar e estruturar um sistema voltado para satisfazer, de fato, as necessidades da população, considerando as atuais medidas restritivas do governo, ficam relegadas a um plano praticamente inatingível.

Alguém deveria, urgentemente, explicar para a presidente e seus ministros, que a tão propalada melhora do nível de vida de uma parte significativa da população (a chamada “nova classe média” – sobre a existência da qual tenho sérias dúvidas), não chegou nem próximo da área da saúde.

Resta-nos esperar que a população prejudicada, que é composta pela sua imensa maioria, reaja à altura e questione, através de amplos movimentos reivindicatórios, a garantia de seus direitos constitucionais.

*Médico sanitarista

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Governo Dilma: cuidado com as generalizações.
A fama de durona da Presidente Dilma, que corre solta pelos meios de comunicação, necessita, me parece, de algum tipo de qualificação. Assim como está posto, faz parecer que a distribuição do “estilo durona” vale para todos, indistintamente. O que, se olharmos com cuidado, veremos, está longe de ser verdade.

Aos fatos:

Primeiro, e creio que o mais importante: o orçamento da união para 2012, sancionado pela Presidente Dilma, é de R$ 2 trilhões, 150 bilhões e 458 milhões. Deste fantástico valor, 47,19%, ou seja, quase a metade do que for arrecadado, será utilizado para pagamento dos juros da dívida pública (interna e externa). Assim, os credores, via de regra, grandes especuladores, dos títulos do governo brasileiro, que paga os maiores juros do mundo, receberão um valor estimado em 1 trilhão, 14 bilhões e 737 milhões de reais.

Segundo: para a área da saúde pública, que continua aos pedaços, está previsto o irrisório percentual de 3,98% do orçamento, o que representa o valor de R$ 86 bilhões, 18 milhões e 354 mil reais. Não muda nada em relação a 2011. Provavelmente as coisas fiquem pior em 2012 (os dados são da Auditoria Cidadã da Dívida).

A Presidente Dilma, que em sua campanha eleitoral prometeu priorizar a saúde, acaba de derrotar a população que esperava a aprovação dos 10% das receitas tributárias brutas da união para o setor da saúde. Desta forma, não estaremos equivocados se afirmarmos que as famílias continuarão a gastar mais com saúde do que o governo. E que o quadro dramático de espera por consultas, leitos e exames complementares ficará como está, ou vai piorar. E que óbitos evitáveis continuarão a ocorrer, como se inevitáveis fossem.

Terceiro: neste mesmo orçamento, não existe nenhuma previsão de reajuste salarial para os funcionários públicos federais e para os aposentados. E não estou falando, por óbvio, dos salários dos funcionários do Congresso Nacional.. Falo dos do executivo, que salvo a leva dos 23 mil cargos comissionados, recebem salários aviltantes.

Quarto: na contramão do que seria esperado, no ano de 2011 cresceram em 8% os gastos públicos realizados sem licitação, atingindo o valor de R$ 13,8 bilhões.

Quinto: na área política, a dureza também é seletiva. O que vale para alguns ministros, não vale para outros. Que o digam o ministro e “consultor” Fernando Pimentel e Fernando Bezerra Coelho, da Integração Nacional, que foram poupados da degola ministerial. Quais os critérios utilizados pela Presidente para poupá-los? Uma sólida amizade de longa data e blindagem ativada pelos interesses da base aliada? Quem sabe?

Sexto: porque não avança o projeto de taxação das grandes fortunas, que está rodopiando há anos no Congresso Nacional e nunca é aprovado?
São considerações que, do meu ponto de vista, contribuem para minimizar uma visão infantilizada e abstrata de uma governante que, ao fim e ao cabo, governa, como todos os outros governantes anteriores, para os grandes e poderosos.

Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Fevereiro de 2012

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Contra as drogas, políticas de banimento social.

Em algum momento de nossa história recente, difícil precisar quando, começaram a predominar em nosso país, as chamadas políticas higienistas, de limpeza social, com caráter nitidamente repressivo. Essa é a forma “moderna e democrática” que nossos governantes encontraram para resolver os graves problemas sociais enfrentados pela população. Esqueceram, porque, na verdade, não lhes interessa, que são problemas fundados, centralmente, na desigualdade social. Que, por sua vez, é o resultado de uma sociedade baseada nas regras do mercado e no lucro. Por mais “nova classe média” que se alardeie, continuamos com vastos setores da sociedade pobres e sem acesso aos direitos básicos da cidadania (saúde pública, educação, emprego digno, saneamento, habitação).


O inicio desse ano tem sido pródigo em revelar essa face já conhecida, mas não tão escancarada, da adoção dessas políticas obscurantistas e truculentas, tanto de parte do governo federal, como de alguns governos estaduais e municipais.


A começar pelas políticas relacionadas ao “combate” ao uso de drogas, notadamente o crack. O uso do termo “combate”, de extração militar, já dá uma idéia do que se trata e de como se pretende equacionar o problema. O governo de São Paulo, nas últimas semanas, resolveu elevar sua política repressiva ao extremo. A “limpeza” da área conhecida como “cracolândia” não fica devendo nada às políticas repressivas do tempo da ditadura militar. Pela abstinência forçada do uso da droga e pela dor que esse fenômeno gera, o governo pretendia que os usuários buscassem centros de tratamento. Como não deu certo, e era evidente que não daria, a PM de São Paulo partiu para a repressão com tiros e bombas, para dispersar os usuários do crack. Deveria usar o mesmo método para reprimir a corrupção e a impunidade que grassam em quase todas as esferas empresariais e públicas desse país. Claro que ninguém cogitou disso e nem cogitará. É uma lástima. A praga da corrupção e do desmando é mais letal do que o crack. Assim como o são, voltando para a área das drogas lícitas ou ilícitas, o álcool e o tabaco. A população morre, centenas de vezes mais em função dos efeitos diretos e indiretos do álcool e do cigarro do que do crack e outras drogas ilícitas. Não estou com esse discurso, querendo reduzir ou minimizar os efeitos danosos do crack. Estou querendo alertar para a necessidade da adoção de políticas públicas efetivas, de real acolhimento e tratamento dos usuários de drogas ilícitas. Os grandes traficantes, de outras drogas, mais “limpas” e mais lucrativas, devem fazer parte do consórcio que usa de selvageria para controlar a “epidemia”, do crack. Aliás, alguém deveria demonstrar com pesquisas sérias, a existência dessa “epidemia”. Nós, apresentamos para a Secretaria de Saúde do Estado, um projeto de pesquisa sobre o “Perfil dos Usuários de Crack em Porto Alegre”. Como faz mais de um ano, e não nos foi dado nenhum retorno, ele deve estar dormitando em alguma gaveta do Departamento de Saúde Mental daquela instituição.


O governo federal, por seu turno, lança um plano, midiático, de controle de drogas, centrado na repressão e no incentivo ás chamadas “comunidades terapêuticas”. Comunidades terapêuticas, todos sabemos são centros, via de regra, de detenção, que se utilizam de métodos repressivos para tratar os dependentes de drogas. São, em sua maioria, de origem religiosa, evangélicas, como não poderia deixar de ser, e algumas, católicas. A Reforma Psiquiátrica não pensou nesses instrumentos. Pensou em Residenciais Terapêuticos e Centros de Atenção Psicossocial, de diversos portes e tipos (Álcool e Drogas, Criança e Adolescente) como estruturas substitutivas dos manicômios e de acolhimento real e eficiente para o tratamento digno dos dependentes de droga. Todos eles, executados diretamente pelo Estado. Sem as malfadadas terceirizações, que só servem para degradar os serviços públicos. Notável o silencio dos Ministros das Áreas relacionadas com os dependentes de droga (saúde, direitos humanos, etc) em relação aos episódios de São Paulo. Creio que serve de medida para que se entenda suas reais intenções.
Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Janeiro de 2012.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Publicamos abaixo, um texto do advogado e militante Fabrício Bittencourt Nunes, pela importancia do tema abordado no mesmo.

IMUNIDADE PARLAMENTAR E FORO PRIVILEGIADO – COMO O DIREITO É SUBMETIDO AO PODER ECONÔMICO




Penso que antes de abordar especificamente os temas, deva contextualizá-los, para que possam ser mais bem compreendidos. As definições conceituais do direito, e os institutos jurídicos que daí decorrem, não são elementos isolados, frutos de algum entendimento particular para cada caso.
Assim, me parece indiscutível que, a partir do momento em que uma classe é detentora do poder econômico, ela se equipa com um aparato legal buscando fazer prevalecer justamente seus interesses. Nas sociedades capitalistas, onde o poder e o seu usufruto estão nas mãos de uma minoria – os detentores do capital e seus representantes –, a lei tem a função de manter as forças que estão no comando e, com isso, redundar na subordinação daqueles que sofrem a opressão. Desse modo, o direito, visto como lei, nada mais é do que a ideologia vencedora que sanciona, que impõe comportamentos e em última análise seleciona as condutas que deverão sofrer as conseqüências de uma determinada violação jurídica e as que terão o beneplácito das instituições. Em síntese, as leis não refletem necessariamente o direito ou a justiça, mas sim a ideologia da classe política e economicamente dominante.
É neste contexto que a cultura ocidental-capitalista cultiva, entre outras prerrogativas, o instituto da imunidade parlamentar, conferido aos agentes políticos para que possam exprimir suas manifestações sem responderem por eventuais excessos.
Em tese, não se pode ser contra tal salvaguarda, já que ela, nos seus estritos limites, é mesmo saudável. Imagino que nem precisasse constar em previsão positivada, a exemplo do que ocorre em relação às chamadas agências estatais punitivas, como as polícias, o Ministério Público e até o Poder Judiciário, que embora não seja parte integrante do sistema de segurança pública, é manejado pelos juízes como se fosse. Observem que o delegado de polícia, assim como os promotores, em situações onde acusam injustamente, não correm o risco de imputações. Mesmo sem previsão de imunidade, estes agentes públicos a desfrutam de modo quase informal. A própria imprensa a possui, em grande medida pela construção conceitual, muitas vezes distorcida, da liberdade de manifestação.
A imunidade parlamentar, delimitada nos marcos do exercício do mandato, é uma garantia salutar à função. Não podemos opor restrições à ação fiscalizadora dos políticos, inerente ao cargo. Como não podemos opor obstáculos às ações que são ínsitas aos policiais ou promotores.
O grande problema – e aqui vem o indesejável – reside no desvirtuamento dessas imunidades. E isso ocorre necessariamente por conta do que refiro, vale dizer, a estrutura normativa que foi conformada para respaldar um interesse de classe que detém o poder. Assim, em função da imunidade parlamentar, o direito acabou construindo uma ampliação de prerrogativas, resultando em normas que, por exemplo, acabam conferindo ao poder legislativo a possibilidade de sustar qualquer ação judicial contra seus membros, independente dela estar relacionada, ou não, com a imunidade.
Não bastasse, ainda consolidou-se a excrescência do chamado foro privilegiado, que leva a uma injustificável quebra da isonomia e, em conseqüência, me parece claramente inconstitucional.
Somando as deturpações, temos um quadro que transborda as necessidades de resguardo da função parlamentar para erigir um verdadeiro cenário de privilégios e injustiças. Cria-se uma espécie de legislação paralela, especial, na qual os cidadãos comuns não têm ingresso.
O que não é percebido é o fato de que o foro especial deveria, em princípio, ser repelido, pois restringe as possibilidades recursais – no caso, os parlamentares são julgados numa única instância; no máximo, em duas.
Esta aparente contradição, então, vai resolvida – sem que as pessoas se dêem conta – em decorrência da legislação ser tecida exatamente como tributária de uma classe dirigente, e não como resultado do sofisma chamado “bem-comum”. O foro especial remete às instâncias superiores, em cujos corredores o que menos tem curso é o tecnicismo jurídico. Antes, valem as trocas promíscuas de favores (para ilustrar, o ministro do STF é “nomeado” pelos parlamentares...). É sempre assim; a lei não traduz conceitos de justiça, mas de poder. Nosso ordenamento tem origem em princípios idealizados por uma doutrina econômica, tão abstrata quanto ardilosamente repassada como verdade nos cursos de direito ou nos livros acadêmicos, que vendem uma mentira atrás da outra, segundo as quais as normas buscam a harmonia, o bom senso e outras imposturas introjetadas nos indefesos estudantes, quando é – de fato – a entidade chamada “mercado” quem o articula. A BOVESPA, muito provavelmente, é o maior legislador do país!
O direito e as leis, portanto, são elaborados a partir de um corte de classe, de modo que os integrantes dos extratos mais privilegiados desfrutem de benefícios legais. Isso vale, sobretudo, como conseqüência da formatação dos órgãos julgadores competentes para as prerrogativas da imunidade ou do foro especial. É por meio disso que o foro privilegiado, em tese supressor de instâncias recursais e, claro, aparentemente mais desfavorável, acaba se revelando uma fonte efetiva de privilégios, à medida que, por exemplo, os juízes das cortes superiores, especialmente do STF, julgam muito mais de acordo com os valores que integram seus interesses de classe do que voltados à aplicação justa da lei. È dessa forma que soluciona-se a aparente contradição do foro especial com a restrição recursal. É dessa forma que materializa-se o direito como expressão da axiologia das camadas dominantes.
Exemplos são fartos: enquanto nos processos que envolvem pessoas do povo, em casos corriqueiros, as prisões preventivas são concedidas com certa freqüência, muitas vezes sem qualquer outro fundamento que não seja o mero voluntarismo judicante, as cortes superiores raramente agem assim. Até para receberem uma denúncia contra alguém “diferenciado” (coisa que os juízes singulares o fazem mecanicamente), os tribunais examinam previamente os pressupostos que autorizam – ou não – a ação penal.
Na suma e na prática, tanto o foro especial como a imunidade induzem a um julgamento incensado por fatores estranhos ao direito e aos ritos processuais ou materiais que ele prescreve. Fatores que chegam até às relações pessoais e de poder. E que vão construindo – conscientemente ou não – a motivação dos juízes.
Tudo isso leva a um cenário mais grave, mais injusto, pilar do foro especial, das imunidades desvirtuadas e da violação da isonomia constitucional cujo primado é expresso pela conhecida “igualdade de todos perante à lei”. Refiro-me às condições prévias que, conceitualmente, viabilizam todas estas distorções: além da lei como forma de dominação e produtora de privilégios – que é o pressuposto sociológico da desigualdade –, nos deparamos com a atrocidade do que costumo denominar de o “etiquetamento” legislativo, ou seja, para quem elas são efetivamente destinadas em termos de punição. Sustento que elas elegem os pobres e os excluídos como clientes preferênciais. Quem rouba um par de tênis (políticos e empresários, claro, não fazem isso) tem previsão de pena muitos mais severa daquele que, por exemplo, sonega milhões em tributos ou os desvia da finalidade, ainda que o dano social seja incalculavelmente maior. Os empresários e os políticos, em geral, são os autores dos crimes tributários. Mas são blindados, no caso dos políticos, pela imunidade e o foro privilegiado. Ou pela brandura da lei com relação aos empresários (o que não deixa de ser, analogicamente, uma situação de privilégio e mesmo de imunidade). E brindados, além de tudo, por julgamentos que não guardam relação com a justiça, mas com um corporativismo advindo da condição social do acusado.
Seja como for, precisamos definitivamente entender que embora os políticos são o alvo preferencial da moral social – ou da quebra dela –, eles não passam de gente meramente comissionada em meios aos atos não-republicanos em que são pegos. A prática nos revela que na “ponta” da corrupção, como beneficiado maior, há sempre um grande empresário Ou um conjunto de sociedades anônimas. O episódio “Arruda” é emblemático; a filmagem do governador do DF recebendo dinheiro fala por si: ele está sendo pago pelo serviço, cujos destinatários finais – e, evidentemente, os grandes ganhadores – foram os empresários que operam junto ao governo de Brasília. Me admira que as entidades patronais ainda não tenham reivindicado para seus membros as prerrogativas da imunidade ou do foro especial. Possivelmente, não precisam disso. O próprio direito, instituído por eles mesmos, é a imunidade de que dispõem.
 
Fabrício Bittencourt Nunes
advogado