terça-feira, 29 de maio de 2012

A Comissão da Verdade e a Revisão da Lei da Anistia.

 Estou de acordo com a Presidente Dilma. A Comissão da Verdade não deve ser movida nem pelo ódio e muito menos pelo revanchismo. Deve, sim, ser pautada pela Justiça e pela Verdade. Isto implica, necessária e inapelavelmente, à imediata REVISÂO da Lei da Anistia. Assim como está, ela concede “anistia” aos agentes do Estado que usaram e abusaram de métodos de tortura, assassinato, e, pelo que hoje se sabe, a incineração de corpos de jovens e trabalhadores que lutaram contra aquele regime ditatorial.
Poucos serão os avanços a serem alcançados pala Comissão da Verdade, recém instalada pela Presidente, caso permaneça o véu de proteção aos torturadores. A começar pelo fato - mais importante - de que dita Comissão vai “esclarecer” e buscar conhecer os locais e qual destino os agentes da ditadura deram aos presos políticos “desaparecidos”. Ótimo. A sociedade brasileira e os familiares desses presos desaparecidos anseiam por essa informação há décadas. Conhecê-los será um acerto de contas com a história. O problema é que os torturadores e seus mandantes, caso permaneçam sob o manto desta “anistia”, certamente não irão oferecer qualquer colaboração para esclarecer as circunstâncias em que se deram tais fatos.
 Não existe nenhum argumento plausível que justifique a não revisão da Lei da Anistia. Juntos, os governos Lula e Dilma – de mesma política – somam mais de uma década, o que parece não ter sido tempo suficiente para que o Executivo propusesse novo Projeto de Lei a fim de rever e permitir o adequado e necessário julgamento dos torturadores. Qual o motivo? Necessário questionar, nesse momento, àqueles que defendem que esse – a Comissão da Verdade – é o avanço possível, quais são os seus argumentos? Com que autoridade afirmam que não se pode, agora, revisar a Lei da Anistia?
Os torturados (grupo no qual me incluo, na condição de ex-preso político em duas ocasiões, na Ilha do Presídio e no Presídio Central, onde sofri tortura), ao contrário dos torturadores, foram julgados pelos Tribunais Militares, condenados e cumpriram penas, afora os centenas de “desaparecidos” e que certamente foram assassinados e jogados em alguma vala comum, incinerados ou jogados ao mar. Em nome da justiça e da verdade, o mínimo que se espera é que os torturadores venham a público e sejam julgados pelos tribunais de justiça de nosso país. Não precisa tribunal especial, até porque tribunais de exceção, hoje, são vedados constitucionalmente. Basta que se faça justiça.
Como bem diz a Presidente Dilma, não queremos revanchismo e nem nos movemos pelo ódio. Queremos justiça. Que os torturadores, enfrentem os tribunais, sejam julgados pelos crimes de lesa-humanidade que cometeram. O Brasil não pode continuar sendo o único país da América Latina que acoberta seus torturadores. Já é passada a hora de fazer essa gente, se podemos chamá-los de “gente”, aparecer à luz do dia para responder pelos seus crimes junto à sociedade brasileira.
Lucio Barcelos - Médico Sanitarista Maio de 2012.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

04 de maio de 2012 | ARTIGOS

Uso privado do espaço público, por Lucio Barcelos*

 As dificuldades encontradas pelos beneficiários dos planos privados de saúde, abordados em reportagens recentes da ZH, são incomensuravelmente menores e menos aviltantes do que aquelas enfrentadas pela população que depende exclusivamente do sistema público de saúde para sua assistência. Algumas horas em um serviço de emergência e dois ou três meses para conseguir acesso a um serviço eletivo (em alguns planos), são insignificantes diante dos quatro, cinco ou até seis anos para ter acesso a uma consulta especializada ou “alguns” dias para obter acesso a um serviço de emergência.

O que é grave, em se tratando de planos privados, nos quais o acesso é restrito àqueles que desembolsam dinheiro próprio para receberem o atendimento, é que, como todos sabem, uma boa proporção dos serviços que deveriam ser ofertados pelos planos não o são e os seus beneficiários são atendidos nos serviços públicos (hospitais, laboratórios ou unidades básicas). E, como também é público e notório, os planos recusam-se, via judicial, a ressarcir o setor público pelos serviços prestados aos seus beneficiários. Mesmo que exista uma lei (9.656/98) regulamentando o ressarcimento. Que já foi muito melhor, porque obrigava o ressarcimento de todos os serviços (da urgência ao eletivo) e hoje, depois de o Estado ceder, vergonhosamente, obriga o ressarcimento apenas de procedimentos eletivos. Vale aqui o mesmo princípio que orienta o setor privado em todos os lugares. Lucros máximos com custos mínimos. Não é por acaso que ainda persiste a situação de utilização, pelos planos privados, de 120 leitos do Hospital de Clínicas. Ali, os planos são subsidiados pelo setor público. Em outras palavras, os valores pagos pelos planos não cobrem os custos despendidos pelo hospital.

No Rio Grande do Sul, são 478 planos privados, capitaneados pelo sistema Unimed, que possui 1.248.224 associados (entre planos individuais, familiares e empresariais), o que representa 48,87% dos 2.554.100 associados de planos existentes no Estado. Como acontece em praticamente todos os setores deste Brasil varonil, a iniciativa privada, incapaz de sobreviver às custas próprias, vale-se, cada vez mais, de benefícios estendidos pelo Estado, em forma de isenções, anistias, incentivos de tributos em geral. Em termos populares, vive mamando nas fartas tetas do Estado. Como os jornalistas da própria ZH já informaram, houve um aumento substancial de associados que não foi acompanhado pela construção de novos serviços próprios para atender a essa demanda. Aliás, a fuga para os planos, além de uma possível melhora do nível de vida de um setor da população, deve-se ao fato de o SUS estar à beira da falência, com o exato propósito de contribuir com essa operação. Agregue-se que hoje existem planos e “planos”. Basta dar uma volta pelo centro da cidade, que você é cercado pelos vendedores de planos de saúde ao custo de módicos R$ 50 mensais. Dá para imaginar o que um plano de R$ 50 pode oferecer ao seu cliente. Quem paga a conta, para variar, é a população pobre deste país, posto que todo e qualquer tributo que tenha que ser pago pelos “empreendedores” será, inevitavelmente, embutido no custo final dos produtos ou serviços que eles ofertam para a população.

*MÉDICO SANITARISTA