sexta-feira, 7 de outubro de 2011

07 de outubro de 2011 |

Artigo - ZH

Tiro no pé, por Lucio Barcelos*

A versão da Emenda Constitucional nº 29 (EC 29), recém aprovada na Câmara dos Deputados, conseguiu a fantástica proeza de reduzir em R$ 7 bilhões o total de recursos financeiros atualmente empregados na saúde, pelos entes públicos. Se as coisas já eram extremamente difíceis, com os recursos atuais, imagine-se com menos R$ 7 bilhões. Essa redução fica por conta de um artifício, engendrado pelos governadores, que permite que eles excluam, da base de cálculo dos 12% que devem colocar na saúde, os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Portanto, entramos para a votação da tão esperada EC 29 com R$ 71,5 bilhões e saímos com R$ 64,5 bilhões. Dá para acreditar? O que estava em questão, que era a modificação da base de cálculo dos recursos disponibilizados pelo governo federal, não sofreu alteração. A União continua a colocar a variação nominal do PIB e não se falou da proposta anterior, de 2007, o PLS 121/2007, do senador Tião Viana, que propunha 10% das receitas correntes brutas, o que elevaria os recursos para R$ 104 bilhões. Ou seja, mais R$ 32,5 bilhões para a saúde. O Senado pode reverter essa situação? Poder, pode. Só acho bom não levar muita fé, considerando sua composição atual.

A votação da EC 29 com a alteração da forma de cálculo dos recursos disponibilizados pela União, ou seja, os 10% das receitas brutas, resolveria, em tese, aquilo que se acredita ser o principal problema da saúde: mais dinheiro. Insisto, porém, na tese de que de nada adianta mais dinheiro se, concomitantemente, não for feita uma reversão no modelo do sistema em funcionamento. Mais 32,5 bilhões para comprar serviços privados não produzirão mudanças substantivas nos graves problemas de acesso da população ao SUS. Qualquer recurso novo deve, necessariamente, em meu ponto de vista, estar condicionado a uma ampliação e fortalecimento do setor público/estatal. A aprovação da EC 29, nesse sentido, deveria vincular o uso dos novos recursos a esta estratégia. O acesso a saúde não pode continuar subordinado ao poder aquisitivo dos cidadãos.

Por fim, e a título de esclarecimento: o problema da União com a extinção da CPMF, não foi perda de recursos. Os recursos oriundos da CPMF (o percentual que era destinado à saúde) foram compensados pelo aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em 2007, a arrecadação da União com esses impostos correspondia a 1,9% do PIB (R$ 49,5 bilhões) e, hoje, equivale a 2,5% do PIB (R$ 101,3 bilhões). São R$ 51,8 bilhões a mais. Vamos combinar, então, que o problema não é de disponibilidade de recursos da União. O problema é, falando de forma clara, de definição política de prioridades e de respeito com a população pobre deste país.

*MÉDICO SANITARISTA

Nenhum comentário:

Postar um comentário