04 de maio de 2012 | ARTIGOS
Uso privado do espaço público, por Lucio Barcelos*
As dificuldades encontradas pelos beneficiários dos planos privados de saúde, abordados em reportagens recentes da ZH, são incomensuravelmente menores e menos aviltantes do que aquelas enfrentadas pela população que depende exclusivamente do sistema público de saúde para sua assistência. Algumas horas em um serviço de emergência e dois ou três meses para conseguir acesso a um serviço eletivo (em alguns planos), são insignificantes diante dos quatro, cinco ou até seis anos para ter acesso a uma consulta especializada ou “alguns” dias para obter acesso a um serviço de emergência.
O que é grave, em se tratando de planos privados, nos quais o acesso é restrito àqueles que desembolsam dinheiro próprio para receberem o atendimento, é que, como todos sabem, uma boa proporção dos serviços que deveriam ser ofertados pelos planos não o são e os seus beneficiários são atendidos nos serviços públicos (hospitais, laboratórios ou unidades básicas). E, como também é público e notório, os planos recusam-se, via judicial, a ressarcir o setor público pelos serviços prestados aos seus beneficiários. Mesmo que exista uma lei (9.656/98) regulamentando o ressarcimento. Que já foi muito melhor, porque obrigava o ressarcimento de todos os serviços (da urgência ao eletivo) e hoje, depois de o Estado ceder, vergonhosamente, obriga o ressarcimento apenas de procedimentos eletivos. Vale aqui o mesmo princípio que orienta o setor privado em todos os lugares. Lucros máximos com custos mínimos. Não é por acaso que ainda persiste a situação de utilização, pelos planos privados, de 120 leitos do Hospital de Clínicas. Ali, os planos são subsidiados pelo setor público. Em outras palavras, os valores pagos pelos planos não cobrem os custos despendidos pelo hospital.
No Rio Grande do Sul, são 478 planos privados, capitaneados pelo sistema Unimed, que possui 1.248.224 associados (entre planos individuais, familiares e empresariais), o que representa 48,87% dos 2.554.100 associados de planos existentes no Estado. Como acontece em praticamente todos os setores deste Brasil varonil, a iniciativa privada, incapaz de sobreviver às custas próprias, vale-se, cada vez mais, de benefícios estendidos pelo Estado, em forma de isenções, anistias, incentivos de tributos em geral. Em termos populares, vive mamando nas fartas tetas do Estado. Como os jornalistas da própria ZH já informaram, houve um aumento substancial de associados que não foi acompanhado pela construção de novos serviços próprios para atender a essa demanda. Aliás, a fuga para os planos, além de uma possível melhora do nível de vida de um setor da população, deve-se ao fato de o SUS estar à beira da falência, com o exato propósito de contribuir com essa operação. Agregue-se que hoje existem planos e “planos”. Basta dar uma volta pelo centro da cidade, que você é cercado pelos vendedores de planos de saúde ao custo de módicos R$ 50 mensais. Dá para imaginar o que um plano de R$ 50 pode oferecer ao seu cliente. Quem paga a conta, para variar, é a população pobre deste país, posto que todo e qualquer tributo que tenha que ser pago pelos “empreendedores” será, inevitavelmente, embutido no custo final dos produtos ou serviços que eles ofertam para a população.
*MÉDICO SANITARISTA
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