Internação Compulsória: uma prática higienista em marcha.
É muito pouco provável que aqueles que defendem a chamada “Internação Compulsória” para os usuários de drogas, crack em especial, como política pública, saibam, exatamente, do que estão falando. Alguns, bem intencionados, devem supor que diante do fracasso das políticas repressivas utilizadas pelo Estado, contra os traficantes de droga, quem sabe uma política repressiva contra os usuários acabe funcionando. Sinto muito ter que dizer, mas não vai funcionar. E não vai funcionar porque o problema do uso de drogas, não se restringe às políticas repressivas, sejam elas quais forem. Décadas de repressão, já deveriam ter servido de alerta. Existem evidências mais do que suficientes, mostrando que esse tipo de medida não tem qualquer significado positivo no tratamento dos pacientes usuários de droga, de novo, crack em especial. Caso alguém pense que está salvando vidas com esse tipo de medida, está totalmente equivocado. A internação compulsória é um retorno à idade média, em termos médicos. Primeiro, porque o problema do uso de drogas é um problema social. Não se resolve, como já disse, com políticas repressivas ou encarcerando os usuários. Uma sociedade como a nossa que não consegue resolver suas questões básicas e elementares, como ofertar um trabalho digno para a maioria da população, permitindo que ela tenha acesso a uma boa moradia, a uma educação decente, a uma saúde de qualidade, propiciando, enfim, uma vida minimamente digna, não vai, até porque não interessa a setores que se beneficiam dele, resolver o problema do tráfico de drogas.
Para a secretária adjunta da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), o discurso que circula sobre epidemia do crack não está de acordo com a realidade. “Há no imaginário popular a ideia equivocada de que o Brasil está tomado pelo crack, mas o que existe é o uso em pontos específicos que pode ser combatido com atendimento na rua, não com abordagem higienista, com o mero recolhimento de usuários.” Dados do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid) revelam que 12% dos paulistanos são dependentes de álcool e apenas 0,05% usa crack.
Com o objetivo de quantificar e identificar o Perfil dos usuários de Crack em Porto Alegre, em 2009, solicitei aos técnicos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, a apresentação de uma proposta de Projeto de definição do Perfil do Consumo e dos Consumidores de Crack em Porto Alegre. Lá se vão 03 longos anos e, até o momento, a Secretaria Estadual de Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, não conseguiram saber de que rubrica dos seus orçamentos podem sacar a fabulosa quantia de R$ 100 mil, para financiar essa pesquisa. Evidencia um profundo desrespeito com a sociedade porto alegrense, em particular, e com a sociedade gaúcha, em geral.
Estudos científicos mostram que a taxa de recaída dos cidadãos internados compulsoriamente, é de aproximadamente 98%. O que fazer, então. Primeiro, adotar um modelo de economia, que permita a ascensão social do conjunto da população. Sem as lorotas da “nova classe média” que representa, quando muito um deslocamento e melhoria de vida de um setor da população, sem mudança de classe social. Essa medida, por si só, contribuirá para uma redução drástica no número de jovens e adultos que hoje são usuários de droga. Um deslocamento social, para melhor, sem sombra de dúvida, modificará as relações de uma camada da população, hoje excluída de qualquer benefício, com o conjunto da sociedade.
Acredito que exigir a adoção de uma política econômica mais inclusiva, não seja pedir muito aos nossos governantes. Mesmo sabendo de suas imensas dificuldades em tomar medidas concretas em defesa do conjunto da população, considerando seus compromissos com as grandes corporações e os grandes conglomerados transnacionais que pensam, acima de tudo, em seus lucros e em suas vantagens, deixando o povo em plano secundaríssimo.
Lucio Barcelos - Médico Sanitarista
Novembro de 2012
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