domingo, 9 de maio de 2010

Uma decisão inacreditável.

A decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à revisão da Lei da Anistia é uma ofensa ao povo brasileiro. É inconcebível que existam cidadãos que possam cogitar do perdão ou esquecimento de práticas de tortura e outras sevícias que resultaram na morte e/ou no desaparecimento.de centenas de presos políticos no Brasil. Aliás, a tortura é um ato repugnante, contra a humanidade, seja ela praticada contra presos políticos ou contra presos comuns.

Eu fui preso político em 1970 e em 1976. Passei mais de 01 ano na prisão (no DOPS, em uma Ilha do estuário do Guaíba, que serviu de prisão aos presos políticos durante um período e no Presídio Central). Fui posto nu, vendado e levei choques elétricos. Fui julgado pela 1ª Auditoria da 3ª CJM (Justiça Militar Federal). Numa primeira vez fui considerado não culpado e numa segunda vez (eu sou persistente) fui condenado. O que aconteceu com a grande maioria dos presos políticos foi milhões de vezes pior do que aquilo pelo que passei. Muitos foram torturados por meses a fio, ficaram mutilados física ou mentalmente, muitos foram mortos e de muitos até hoje não se sabe o destino, por mais que as famílias tentem encontrá-los, para dar-lhes um sepultamento digno.

Eu não sou revanchista. Nunca fui. E tenho convicção de que em sua ampla maioria os presos políticos não o são. Eu só penso que os torturadores devem vir à luz do dia, devem ser identificados e julgados. Por um tribunal civil, em tempos de democracia. O que eu reivindico, e imagino que deva ser a reivindicação da maioria dos presos políticos, é, nada mais, nada menos que se faça justiça. Se nós fomos presos, julgados e condenados pelas leis da ditadura, nada mais justo do que querer que os torturadores, independente de se pertenciam às forças armadas ou a polícia (DOPS) sejam identificados e julgados pelas barbáries que praticaram. Eles agiram na escuridão, protegidos pelo aparelho de Estado repressor. Os presos políticos, em sua maioria jovens estudantes ou trabalhadores não tinham nada a seu favor a não ser sua disposição de lutar contra a ditadura e o apoio de uma parcela da população. Que vivia amedrontada e calada por essa mesma repressão.

Não se trata de revanchismo. Trata-se de um ato de redenção. De a nação brasileira acertar suas contas com o seu passado. Essa é uma chaga muito profunda, que afeta até hoje a forma como funciona e se move nossa sociedade. Julgar os torturadores é um ato de libertação da nação brasileira. Só assim ela poderá se ver por inteiro, sem nada a esconder ou do que se envergonhar.

Lucio Barcelos
Médico Sanitarista
Maio de 2010

Um comentário:

  1. Estou de pleno acordo. Lamentável é que a maioria que sofreu com a ditadura não se manifesta. Será que esqueceu? Se os atingidos por ela, direta ou indiretamente, pressionassem de uma forma objetiva, certamente seria diferente. Gostei muito do teu artigo Dr. Lucio. Mostra o quanto és coerente em tuas posições.Vera Barcelos

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